domingo, 18 de março de 2012
A partir de hoje a APP publica uma série de entrevistas com poetas paraenses de diversas tendências que fazem a nossa literatura. A primeira entrevista desta série começa com o poeta Ronaldo Franco – “Poetinha” como Elias Pinto o batizou. Ronaldo é desses escritores boa praça, jornalista e homem culto, que vive de bem com a poesia. Já publicou quatro livros. Autodenomina-se voraz leitor de grandes escritores contemporâneos e circula com facilidade por todas vertentes literárias. Ao ser convidado a dar esta entrevista, o “Poetinha” não se furtou a falar de nenhum assunto. Confiram.
APP - Sua poesia costuma mesclar o regionalismo e o universalismo das coisas com maestria, de onde vem essa sua veia e o que te fez virar poeta?
RF - Do relacionamento com os livros. Compreendendo-me no mundo. Vivendo numa espécie de realidade poética. Sendo rua e casa ao mesmo tempo: - um endereço em algum lugar do mundo de ímpetos, de humores, de dores, êxtases baratos, amores verdadeiros ou sentimentos hipotéticos.
APP - Quem é Ronaldo Franco?
RF - Sou um artesão das palavras. Um trabalhador sem relógios. Sobrevivente dos abscessos da desinteligência. E continuo aprendiz que em dezembro completou 61 anos e que têm quatro livros lançados: “Teia”, “Cidade dos Poetas” (em parceria com o poeta José Maria de Vilar Ferreira), “Cidade das Águas” (em parceria com Alfredo Garcia) e “Lente Feminina” (relacionando-me com as fotografias de Ana Mokarzel e Karol Khaled, produzindo novas imagens incorporadas às palavras).
APP - Como você enxerga o Ronaldo poeta que acaba de completar 50 anos de poesia?
RF - É como se, em 50 anos, o aprendiz não limitasse o tempo de ler e ler e condensasse os poetas que me interessam, para posteriormente desenvolver-me, extraindo deles a força semântica e tornando-me íntimo de suas imaginações. Em 50 anos: sou leitor obcecado escrevendo e reescrevendo versos. Queria ser um João Cabral de Melo Neto, - renovar o dicionário cotidiano. Raciocinar as palavras como um Drummond. “Penetrar surdamente no reino das palavras”. Tornar-me escravo da “linguagem carregada de significado até o máximo possível”, como dizia Ezra Pound. Sou aprendiz: arriscando-me nos andaimes da linguagem. Como um operário das letras.
APP – O que é o poema, como construí-lo, e qual a sua importância?
RF - É uma voz repetindo uma, ou duas palavras junto ao ouvido. Uma coceira de letras no corpo. Imagens soltas na cabeça. Outras encarceradas na memória. Trabalha-se numa viagem até aqui. Ou bem longe. Dentro de um navio com asas. Nas ondas dos caminhos. Onde florescem janelas. Até a palavra nuvem. Até a última pedra. Até logo. Sobre a construção do poema... Não sei teorizar sobre isso. Sinto que o poema é a desconstrução do poeta. É o desmentir-se em versos. Tenho poemas que são pequenas casas construídas com versos curtos, outras com versos longos... Há um lugar nos quintais dessas casas em que o poeta-aprendiz e as palavras se edificam e aí, então, consegue-se um poema conciso, limpo, preciso.
APP - De quem afinal você gosta e quem lhe inspirou, ou ainda inspira?
RF – Gosto de ler: Ruy Barata, Max Martins, José Maria de Vilar Ferreira, Mário Faustino, Pedro Galvão, Ferreira Gullar, Mário Quintana, Carlos Drummond, Jorge de Lima, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Stéphane Mallarmé, Tristan Corbière, Charles Baudelaire, Maiakóvski, Walt Whitman, Dylan Thomas, Sylvia Plath, Ezra Pound.
APP - Quais os poetas da nova geração que mais lhe chama à atenção?
RF – Chamam-me à atenção poetas do nível de: José Maria de Vilar Ferreira e Max Martins.
APP - Como o autor e o leitor em geral podem descobrir a poesia?
RF - Escrevendo-a e lendo-a como documento humano. Com o autor cumprindo o tríplice preceito horaciano – ensinar, deleitar e comover (docere, deletare, movere).
APP - Seu blog completa um ano e que o levou a criá-lo?
RF - O blog é novinho. E dá trabalho trocar suas fraldas na madrugada. Completa um ano agora em fevereiro...
O que me levou a criá-lo?...A pergunta não é descabida... Cabe no impulso de divulgar o artista desconhecido entre os mais visíveis. A fórmula deu certo: os palcos ficaram mais amplos e platéias mais democráticas.
APP - O blog tem a característica de não falar do autor, no caso o Ronaldo Franco, mas, sim, de autores, espetáculos e outras atrações não tão em voga na mídia. Fale um pouco sobre esse perfil do blog.
RF - O autor publica seus poeminhas... Mistura-se com Gullar, Dylan Thomas, Drummond... O blog é o espetáculo (- visível -) de todas as raças culturais. De todos os palcos: de nossa Ourém, do nosso Teatro da Paz, do pagode do bar da esquina, do Brasil e do mundo.
APP - Os blogs são ferramentas de comunicação que abrem portas e fecham ineditismos. Como você entende isso?
RF - O blog tem que abrir veredas. Como o Guimarães Rosa: em trilhas, sertões, horizontes. E que o leitor os vá (oswaldianamente) explorar. E que coma o biscoito fino.
APP - Quem você destaca na literatura paraense, na poesia, e na prosa?
RF - José Maria de Vilar Ferreira e Max Martins (na poesia). Dalcídio Jurandir e Benedito Monteiro (na prosa)
APP - Quais são seus planos para os próximos 50 anos de poesia?
RF - Aposentar a poesia do seu difícil trabalho de estar comigo.
APP – Como a sua poesia dialoga com a fauna e flora em ameaça constante?
RF - A minha poesia dialoga (primeiramente) com a Ecologia dos Afetos. Como reconstrução da humanidade. Como investimento ético-afetivo. Uma ética que permita recuperar o sentimento pelo outro, pela fauna e flora.
APP- O que você considera poeticamente correto em Belém e no belenense de maneira geral?
RF - Chupitar um sorvete enquanto a tarde some...
APP – Para concluir, qual é a estrela de Belém?
RF – Esse!...
Esse Ruy é minha rua
O Paranatinga inesperadamente fechou abril
Rapidamente
abriu-se o rum do vazio
O rio sabe o rumo
do boto boêmio
A boemia rema
saudade do poeta inexaurível
O argonauta de bares
aporta na rima extrema
Pelos ares:
um pixé de solidão na cidade
Nel mezzo del camim
um Ruy sem fim
pisa nos calos da lua
Esse rio sem endereço
É minha rua.
Na foto: Ronaldo Franco com a artista plástica
Drika Chagas.
***
APP - Sua poesia costuma mesclar o regionalismo e o universalismo das coisas com maestria, de onde vem essa sua veia e o que te fez virar poeta?
RF - Do relacionamento com os livros. Compreendendo-me no mundo. Vivendo numa espécie de realidade poética. Sendo rua e casa ao mesmo tempo: - um endereço em algum lugar do mundo de ímpetos, de humores, de dores, êxtases baratos, amores verdadeiros ou sentimentos hipotéticos.
APP - Quem é Ronaldo Franco?
RF - Sou um artesão das palavras. Um trabalhador sem relógios. Sobrevivente dos abscessos da desinteligência. E continuo aprendiz que em dezembro completou 61 anos e que têm quatro livros lançados: “Teia”, “Cidade dos Poetas” (em parceria com o poeta José Maria de Vilar Ferreira), “Cidade das Águas” (em parceria com Alfredo Garcia) e “Lente Feminina” (relacionando-me com as fotografias de Ana Mokarzel e Karol Khaled, produzindo novas imagens incorporadas às palavras).
APP - Como você enxerga o Ronaldo poeta que acaba de completar 50 anos de poesia?
RF - É como se, em 50 anos, o aprendiz não limitasse o tempo de ler e ler e condensasse os poetas que me interessam, para posteriormente desenvolver-me, extraindo deles a força semântica e tornando-me íntimo de suas imaginações. Em 50 anos: sou leitor obcecado escrevendo e reescrevendo versos. Queria ser um João Cabral de Melo Neto, - renovar o dicionário cotidiano. Raciocinar as palavras como um Drummond. “Penetrar surdamente no reino das palavras”. Tornar-me escravo da “linguagem carregada de significado até o máximo possível”, como dizia Ezra Pound. Sou aprendiz: arriscando-me nos andaimes da linguagem. Como um operário das letras.
APP – O que é o poema, como construí-lo, e qual a sua importância?
RF - É uma voz repetindo uma, ou duas palavras junto ao ouvido. Uma coceira de letras no corpo. Imagens soltas na cabeça. Outras encarceradas na memória. Trabalha-se numa viagem até aqui. Ou bem longe. Dentro de um navio com asas. Nas ondas dos caminhos. Onde florescem janelas. Até a palavra nuvem. Até a última pedra. Até logo. Sobre a construção do poema... Não sei teorizar sobre isso. Sinto que o poema é a desconstrução do poeta. É o desmentir-se em versos. Tenho poemas que são pequenas casas construídas com versos curtos, outras com versos longos... Há um lugar nos quintais dessas casas em que o poeta-aprendiz e as palavras se edificam e aí, então, consegue-se um poema conciso, limpo, preciso.
APP - De quem afinal você gosta e quem lhe inspirou, ou ainda inspira?
RF – Gosto de ler: Ruy Barata, Max Martins, José Maria de Vilar Ferreira, Mário Faustino, Pedro Galvão, Ferreira Gullar, Mário Quintana, Carlos Drummond, Jorge de Lima, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Stéphane Mallarmé, Tristan Corbière, Charles Baudelaire, Maiakóvski, Walt Whitman, Dylan Thomas, Sylvia Plath, Ezra Pound.
APP - Quais os poetas da nova geração que mais lhe chama à atenção?
RF – Chamam-me à atenção poetas do nível de: José Maria de Vilar Ferreira e Max Martins.
APP - Como o autor e o leitor em geral podem descobrir a poesia?
RF - Escrevendo-a e lendo-a como documento humano. Com o autor cumprindo o tríplice preceito horaciano – ensinar, deleitar e comover (docere, deletare, movere).
APP - Seu blog completa um ano e que o levou a criá-lo?
RF - O blog é novinho. E dá trabalho trocar suas fraldas na madrugada. Completa um ano agora em fevereiro...
O que me levou a criá-lo?...A pergunta não é descabida... Cabe no impulso de divulgar o artista desconhecido entre os mais visíveis. A fórmula deu certo: os palcos ficaram mais amplos e platéias mais democráticas.
APP - O blog tem a característica de não falar do autor, no caso o Ronaldo Franco, mas, sim, de autores, espetáculos e outras atrações não tão em voga na mídia. Fale um pouco sobre esse perfil do blog.
RF - O autor publica seus poeminhas... Mistura-se com Gullar, Dylan Thomas, Drummond... O blog é o espetáculo (- visível -) de todas as raças culturais. De todos os palcos: de nossa Ourém, do nosso Teatro da Paz, do pagode do bar da esquina, do Brasil e do mundo.
APP - Os blogs são ferramentas de comunicação que abrem portas e fecham ineditismos. Como você entende isso?
RF - O blog tem que abrir veredas. Como o Guimarães Rosa: em trilhas, sertões, horizontes. E que o leitor os vá (oswaldianamente) explorar. E que coma o biscoito fino.
APP - Quem você destaca na literatura paraense, na poesia, e na prosa?
RF - José Maria de Vilar Ferreira e Max Martins (na poesia). Dalcídio Jurandir e Benedito Monteiro (na prosa)
APP - Quais são seus planos para os próximos 50 anos de poesia?
RF - Aposentar a poesia do seu difícil trabalho de estar comigo.
APP – Como a sua poesia dialoga com a fauna e flora em ameaça constante?
RF - A minha poesia dialoga (primeiramente) com a Ecologia dos Afetos. Como reconstrução da humanidade. Como investimento ético-afetivo. Uma ética que permita recuperar o sentimento pelo outro, pela fauna e flora.
APP- O que você considera poeticamente correto em Belém e no belenense de maneira geral?
RF - Chupitar um sorvete enquanto a tarde some...
APP – Para concluir, qual é a estrela de Belém?
RF – Esse!...
Esse Ruy é minha rua
O Paranatinga inesperadamente fechou abril
Rapidamente
abriu-se o rum do vazio
O rio sabe o rumo
do boto boêmio
A boemia rema
saudade do poeta inexaurível
O argonauta de bares
aporta na rima extrema
Pelos ares:
um pixé de solidão na cidade
Nel mezzo del camim
um Ruy sem fim
pisa nos calos da lua
Esse rio sem endereço
É minha rua.
Na foto: Ronaldo Franco com a artista plástica
Drika Chagas.
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