quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008


"Cidade Velha" (Livro lançado pela editora RGB)
Escreve Amarílis Tupiassu:
O poema de RF narra, num tecido de sons fragmentários, numa montagem, remotagem de quadros, de ecos, na fusão de tempos, uma longa história de triunfo e desastres,uma longa história de lutas escarniçadas, de embates ainda não finalizados.
Assim é que as tramas, as teias do poema se aderem a esses relatos:imaginosamente, em escrita ágil, que instiga, inquieta,compraz.
...Daí que as sonoridades mais correntes no poema inteiro ressoem a interrogações e exclamações , indício do pasmo e do não-saber , da impossibilidade de saber...
...O poema então é um intento ao retorno, a fala de desalento quando a aventura se lança aos trajetos da retrospecção, às idades lá atrás, às idades cuja densidade é vedada aos pósteros, ainda que se incite uma enorme curiosidade...
****************************************************************
Aqui > alguns versos:
Quantos botões de Paris
para abotoar pecados ?
Quantos novelos de linha
para costurar mentiras ?
.
Os bolsos de linho
trouxeram a sífilis
Enfiaram caravelas
esconderam gonorréias
sob os vestidos de chita
E das batinas pingaram aflições...
.
Quantos moleques amarronzados
saíram
do ventre do saco da farinha
mediram-se
em balcões de quitanda
cresceram
os bigodes por detrás dos leques
envelheceram
os chinelos gastando varandas ?
.
Mulheres nas janelas:
bibelôs de carne
fêmeas debruçadas
em tardes compridas
.
Que olhos vigiaram as virgens?
(se as sombras
eram convertidas
em mulher ...)
.
Quantas caligrafias
incendiadas
e nomes à cinza ?
Onde o fósforo
do amanhã ?
No fogo
dos fundos das redes ?
Rede sem pátria mãe
Rede sem pátria filha
- Berço ao vento -
Rede mortalha
na vertigem
do "Brigue Palhaço"
- Tálamo -
em noite de cio
do corpo com a dor
do sangue com o rio
.
Quantas aldeias
e arcos
deslembrados no pó ?
.
Quantas flechas
sopraram
lamparinas e cabanas ?
.
Quantas sombras
tremeram
no ribombar dos canhões
.
Quantas noites
acenderam
claro medo ?
.
De qual rio
suspenso
somos vítimas ?
.
Quanta água para ser pátria d'água ?
.
Quantos segredos
abriram
goteiras nas línguas ?
.
Quantas chuvas
íntimas
no bordel das conversas ?
....
Ó tempo
por cima
das árvores
Invisível como vento
movimenta as folhas da carne
e sobe em resma de sexo.
.
Quantos amarronzados
fingiram-se de brancos ?
.
Quantos assumem o pardo
desde Castelo Branco ?
.
Quantos pardos
quando tipóias
juntaram os ossos do amor ?
.
De quantos bichos
os morenos vestiram-se
para serem humanamente despidos ?
.
Por quantas coxas
a serpente negra passou ?
.
Qual era a louça de porcelana
que subia a família
na cristaleira ?
.
Por que o pestiqueiro
fechava-se
com vergonha ?
..
Quanto à Cabanagem
foram os lusos
ou os cafusos
em confusão nos espelhos ?
...
Semanas santas
sossegavam feridos encontros
O amor gritava
3 mil horas de agonia
Cristos mortos
eram escoltados
por tristeza mortal
Sobre nossas cabeças
qual século crucificado ?
...
Que calvário
estreitou
as ruas do sol ?
...
Em que (a)Deus
as mães pregaram os filhos
e os pais cruzaram os braços ?
...
Quais gavetas
entulhavam ausências
e traições de alfazema ?
...

Um comentário:

Márcia Sanchez Luz disse...

Ronaldo, seu blog está lindo, lindo!

E que belos fragmentos de seus poemas!!

Parabéns.

Beijos,

Márcia