O cansaço. Lembrar é um repouso, porque é não agir. Que de vezes, para maior descanso, relembro o que nunca foi, e não há nitidez nem saudade nas minhas memórias das províncias onde estive como os que moram; tábua a tábua do soalho, oscilo o oscilar de outrem, nas vastas salas onde nunca morei..
De tal modo me converti na ficção de mim mesmo que qualquer sentimento natural, que eu tenho, desde logo, desde que nasce, se me transforma num sentimento de imaginação - a memória em sonho, o sonho em esquecer-me dele, o conhecer-me em não pensar em mim.
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De tal modo me devesti do meu próprio ser que existir é vestir-me. Só disfarçado é que sou eu.
E em torno de mim todos os poentes incógnitos douram, morrendo, as paisagens que nunca verei.
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Máximas de F.Pessoa:
- A nossa personalidade deve ser indevassável, mesmo por nós próprios: daí o nosso dever de sonharmos sempre, e incluirmo-nos nos nossos sonhos, para que nos não seja possível ter opiniões a nosso respeito.
E especialmente devemos evitar a invasão da nossa personalidade pelos outros. Todo o interesse alheio por nós é uma indelicadeza ímpar. O que desloca a vulgar saudação - como está? - de ser uma indesculpável grosseria é o ser ela em geral oca e insincera.
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Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.
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Falar é ter demasiada consideração pelos outros. Pela boca morrem o peixe e Oscar Wilde.
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* "Livro do Desasssossego" > Companhia das Letras.
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