Com franqueza, não me animo a dizer que você não vá..
Eu, que sempre andei no rumo de minhas venetas, e tantas vezes troquei o sossego de uma casa pelo assanhamento triste dos ventos da vagabundagem, eu não direi que fique.
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Em minhas andanças, eu quase nunca soube se estava fugindo de alguma coisa ou caçando outra.
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Você talvez esteja fugindo de si mesma, e a si mesma caçando; nesta brincadeira boba passamos todos, os inquietos, a maior parte da vida - e às vezes reparamos que é ela que se vai, está sempre indo, e nós (às vezes) estamos apenas quietos, vazios, parados, ficando.
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Assim estou eu.
E não é sem melancolia que me preparo para ver você sumir na curva do rio - você que não chegou a entrar em minha vida, que não pisou na minha barraca, mas, por um instante, deu um movimento mais alegre à corrente, mais brilho às espumas e mais doçura ao múrmurio das águas.
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Foi um belo momento, que resultou triste, mas passou.
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Apenas quero que dentro de si mesma haja, na hora de partir, uma determinação austera e suave de não esperar muito; de não pedir à viagem alegrias muito maiores que a de alguns momentos.
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Esse instante de libertação é a grande recompensa do vagabundo; só mais tarde ele sente que uma pessoa é feita de muitas almas, e que várias, dele, ficaram penando na cidade abandonada.
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E há também instantes bons, em terra estrangeira melhores que os das excitações e descobertas, e as súbitas visões de beleza sonhadas. São aqueles momentos mansos em que, de uma janela ou da mesa do bar, ele vê, de repente, a cidade estranha, no palor do crepúsculo, respirar suavemente como velha amiga, e reconhece que aquele perfil de casas e chaminés já é um pouco, e docemente, coisa sua.
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*Rubem Braga.
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