quinta-feira, 8 de maio de 2008

No campo deles >> Elias Pinto


Você olha,
certifica-se de que não vem nenhum carro, bota o pé no asfalto e... zuuummmm! Uma bicicleta, na contramão, lhe tira o fino, uma raspa. Seria uma pancada e tanto, capaz de levá-lo a um hospital com uma fratura, os óculos quebrados, e até pior, se for uma pessoa idosa.
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Que ninguém alegue uma possível imprudência de sua parte, por não ter atravessado na faixa de pedestres, com o sinal fechado para os carros. Se você confiar na inviolabilidade da faixa sob sinal fechado, corre também o risco de ser arrastado por uma bicicleta conduzida por um imbecil. Para eles, o vermelho é sinal de avançar, doa a quem doer.
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Quando isso ocorre (e me ocorre ao menos uma vez por semana), ainda que eu seja um cara calmo, se eu estivesse armado (e por isso jamais sairei “maquinado”), bateria, sim, o desejo criminoso de descarregar o revólver num camarada desses.
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Ou então, na calçada, é um caminhão betoneira que lhe fica atravessado, ou que pára no meio-fio e começa a descarregar, impedindo a passagem e atirando o pedestre para a rua, à sanha dos automóveis. Ou alguém que pára e deixa a porta do carro aberta, estreitando ou barrando a circulação.
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Ou ainda, nove, dez da noite, um motorista breca na vizinhança e se dana a buzinar, chamando alguém. Aqui, minha vontade seria assestar uma bazuca na janela e disparar contra o inominável trovejador motorizado, indo tudo pelos ares, como num filme do Rambo ou do Bruce Willis.
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Na cidade, no banzé urbano, na incivilidade que galopa ruas e avenidas, zurrando a qualquer hora, podemos passar, no atrito dessas situações, da beatitude à insânia num átimo, desgraçando-nos a vida ao cruzar a fronteira desses estados de ânimo.
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Tudo pode começar com uma reclamação, um protesto, um chamado à razão, e daí desencadear para um dia de fúria, como naquele filme protagonizado pelo Michael Douglas.
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E mesmo quando se tenta fazer justiça, no âmbito do procedimento democrático, como no caso Isabella, o que nos salta aos olhos e alerta nossa consciência é a injustiça que se faz à maioria dos brasileiros, pobres, crioulos, pardos, favelados, das periferias, que são encarcerados sem provas minimamente consistentes, não se lhes respeitando o direito estendido a quem tem grana, grama bacana e advogados capazes de fazer valer os recursos cabíveis.
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O pobre, pardo, negro, desses que receamos quando se aproximam de nós, na rua, no ônibus, na banca de revista, no sinal de trânsito, bandido avant la lettre, esse é surrado previamente (saberá por que apanha) e atirado no cárcere.
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Pois até quando se tenta fazer justiça, como no caso Isabella, o que nos retorce e exaspera é a possibilidade de que a injustiça ganhe corpo, avance corpos de vantagem diante do leniente manquitolar da lei e suas aplicações.
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E aí nos coça o ‘justiçamento’, uns quereres de pena de morte, umas ganas de aplicar o método chinês de sumariar o caso apontando a sentença diretamente na nuca do condenado. Sei, sei dos sensatos argumentos contra a pena de morte, que eu mesmo defendo.
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Mas qual o filho enjeitado da pátria que mereceu um luminol de araque que fosse, um reles acender de lanterna para iluminar precariamente sua culpa ou inocência?
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Já o casal Nardoni merece todos os luminóis e CSIs. Muito bem, que assim seja. Mas diante das evidências, compare: numa situação semelhante, um casal pé-de-chinelo já não estaria sumariamente enjaulado? Claro, em vez de atirar a criança de um prédio classe média, a jogaria no infecto mangue que lhe passa ao lado do barraco.
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Melhor tratar de encerrar por aqui esta coluna. Estou um tanto quanto politicamente incorreto, assanhadamente intempestivo.
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É que diante da brutalidade que se converteu a vida lá fora – quando a violência não nos invade porta adentro –, com tudo que é tipo de criminalidade alastrando-se com virulência incontida, deixando-nos entre a bigorna e o martelo (inter sacrum et saxum stare, permitam-me), desanimamos de avaliar com equilíbrio, justapondo etapas, polícia e poder público atuando e ocupando espaços, educação para as áridas periferias etc. etc., que a vontade é esta: de sair chutando o balde e a escarradeira (homenagem a Nelson Rodrigues, permitam-me), atirando a esmo, matando, vilipendiando, trucidando, justiçando, linchando. Sinal de que eles estão ganhando.
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Afinal, se é pela força e violência, o mando de campo é deles.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Os fracos não tem vez.Infelizmente.
Aramando Bezerra