sábado, 24 de maio de 2008

Edyr Proença : A voz que fala e canta para a planície - Elias Pinto

Como forma de erguer um brinde aos 80 anos da Rádio Clube,
reproduzo trechos da longa entrevista que Edyr Proença me concedeu em maio de 1990, ao completar 70 anos de idade e 50 de jornalismo.

Publicada no jornal A Província do Pará, o título da matéria, “A voz que fala e canta para a planície”, remete ao slogan da antiga PRC-5, a Rádio Clube do Pará, onde Edyr iniciou sua carreira, em 1942.

A COPA DE 50

Quis saber de quantas Copas Edyr havia participado. Sua resposta.
Edyr – Participar mesmo eu só participei da de 1950, que eu transmiti, isso pelas dificuldades operacionais. Prova disso é que só agora uma emissora paraense vai à Copa do Mundo. De 50 para cá, é a primeira vez.
Pedi-lhe então um testemunho sobre a Copa de 50.

Edyr – Foi uma Copa que me deixou recordações indeléveis. Emoções que, quando lembro, eu as revivo. Vi coisas que eu jamais verei na minha vida outra vez. Por exemplo, o jogo Brasil e Espanha, o Brasil fazendo um futebol fabuloso, colocando uma grande equipe na roda, vencendo de 6 a 1. Uma coisa espetacular, ver o Maracanã lotado.

A charanga do Flamengo iniciou e a multidão cantou as Touradas de Madri. Você pode imaginar o que é um Maracanã lotado, cantando em uníssono. Até hoje me arrepio. E a tristeza da derrota do Brasil. Ainda agora, você me permite uma liberdade de expressão, eu ouço o silêncio da multidão. Você sabe, o campo do Maracanã é distante das arquibancadas.

Pois o silêncio pela derrota era tão grande, na hora em que terminou o jogo, que você ouvia os jogadores uruguaios gritando, se abraçando, chorando de alegria. E você via aquela multidão de cabeça baixa, lágrimas nos olhos. E, de repente, dando um exemplo de mais alta esportividade, essa multidão prorrompeu em aplausos. Uma beleza.

A COPA DE 58

Sobre a Copa de 58, na Suécia, me fez o seguinte relato.
Edyr – Na Copa de 58 fiz um trabalho que começou como uma inconseqüência da minha parte, mas que acabou dando certo. Os jogos correspondiam aqui pela parte matutina, e as emissoras do sul chegavam em precaríssimas condições de transmissão.

Fazer retransmissão pela Radional não só era muito dispendioso como também o som não correspondia. Então resolvi fazer dublagem. Saí de lá da rádio, que era no Palácio do Rádio – um ponto de difícil recepção, não sei por que – e vim para minha casa. Trouxe aparelhagem. Veio um ajudante comigo para ler publicidade, técnicos de som, e jogávamos, de casa, por linha telefônica, o som para a emissora.

Aqui em casa eu escutava razoavelmente as transmissões. Escutava o que os locutores iam dizendo e ia repetindo, procurando dar aquela velocidade de uma transmissão de rádio. E o público gostou.

Perguntei: Quer dizer, você ouvia as transmissões do Rio de Janeiro e dublava aqui em Belém, na sua casa?
Edyr – Exato. Todo mundo gostava porque estava ouvindo com som local.

Você também narrou a vitória do Brasil sobre a Suécia?
Edyr – Narrei. Havia alto-falantes pela rua, aqui na Presidente Vargas, que ficou cheia de gente. Foi uma festa.

PATRIOTADAS

E sobre as famosas patriotadas cometidas por locutores, disse o mestre.Edyr – Isso sempre existiu. Em 1938, na Copa do Mundo na França, no jogo Brasil e Tchecoslováquia, o locutor, Galeano Neto, revoltou o povo brasileiro contra os tchecos, tinha gente que queria pegar um tcheco aqui no Brasil para dar uma surra.

Dizia o Galeano: “Estão massacrando os jogadores brasileiros. Fulano entrou violentamente sobre Perácio, que está estendido no chão. Fulano foi derrubado por um pontapé nas costas”. Uma coisa terrível. Terminou o jogo: três tchecos contundidos gravemente e o goleiro deles com o braço quebrado.

Que diabo é isso, se eles é que estavam massacrando o nosso time? Era o patriotismo.

Até hoje, desde essa Copa de 38, tem gente que tem ódio do arbitro porque ele marcou um pênalti contra o Brasil. Mas depois, quem se aprofunda no assunto, vai ver a verdade dos fatos. Foi realmente pênalti.

O Domingos da Guia não sabia regras e deu um pontapé no adversário quando a bola ia saindo, e o juiz assinalou o pênalti. “Está roubando. Ladrão.” E todo mundo indignado.

Por quê? Porque o Galeano Neto fez aquele auê terrível. Quem ia saber naquela ocasião? O locutor deve prender a atenção e a tensão do ouvinte, isso é natural. Não é falsear a verdade, mas dar aqueles salpicos normais, dourar a pílula, como se diz. Isso não faz mal a ninguém. Pelo contrário, faz bem. É aquela história: me engana que eu gosto.

***

Um comentário:

Citadino Kane disse...

Que bom ler a entrevista do velho Edyr. Parabéns Ronaldo pela memória!
Abraços,
Pedro