sábado, 28 de março de 2009

Por que não falar do velho Lennon ? > Elias Pinto

Depois de um dia cansativo, estressante, enfim desembarco defronte do monitor, a noite já se ensaiando num dia todo nublado. Dos três ou quatro assuntos que disputavam a primazia de se transformar no tema de hoje, nenhum deles ainda me anima, pois exigiria concentração e tempo, tempo de que agora disponho só de um fiapo, a hora de enviar a coluna socando a porta.
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Suspirei e olhei para o lado, para uma das estantes alopradas de livros, como quem espera um sinal de são Dante Alighieri. Foi quando dei com a fornida lombada, saltando da estante feito prostituta a oferecer o vão da coxa. Aproximei a vista, é a biografia, excelente, do John Lennon, pelo jornalista inglês Philip Norman, recém-lançada. É um catatau de mais de 800 páginas, que vou navegando, curtindo, em velocidade de cruzeiro, por ter de dividir sua leitura com uma robusta penca de livros. Mas, em breve, vou comentá-lo.
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John Lennon e os Beatles são apenas um pôster na parede, mas já não dói. Na verdade, nem tenho quase ouvido música. Quando escuto, dei de ouvir ópera, clássicos. Os vizinhos andam até assustados.
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Lendo o livro sobre o autor de Imagine lembrei do tempo em que eu tinha todos os seus discos. Como canta o Gonzaguinha numa música de seu primeiro disco, meu bem há quanto tempo a gente não dança um bom bolero à meia-luz, há quanto tempo a gente não se deixa levar pelos gritos desse velho e cansado coração, pensei: há quanto tempo não ouço o Lennon...
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E nem tenho mais nenhum de seus discos, tudo perdido nessa velha e suja estrada, old dirt road. Vocês aí cantaram Mother? O desafio era se esgoelar tanto quanto John no refrão final: “Mamma don’t go/ Daddy come home”. Parecíamos uma multidão de gatos no cio em teto de amianto.
À época, John e (aaaaeerrrrriiirrrrcccccccccchhhhhhh) Yoko arrancavam seus fantasmas do sótão na base do berro primal, a teoria do grito do doutor Arthur Janov, que passava por ser um descongestionante emocional. O paciente era convidado a gritar a plenos pulmões para liberar seus demônios, traumas represados desde a infância. Depois, o mais próximo disso que encontrei, além dos uivos da Gretchen, foram os discursos do ex-deputado e grande e doce amigo (podem crer) Babá.

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Lembro de outra letra daquele elepê do John: “Don’t let them fool you with dope and cocaine/ No one can hang you fell your own pain”. Isso aí, não deixe que eles o idiotizem com droga e cocaína. Sinta a própria dor. Ainda bem atual, né não, sangue bom? Vontade era dar um berro primal no ouvido desse bando de vereadores que fazem jus ao chefe que têm. Como diria Lennon: “I’ve had enough of reading things/ By neurotic psychotic pig headed politicians”. E mais: “I’m sick and tired of hearing things/ From uptight short sighted narrow minded hypocritics”.
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Pronto, melancolias espreitam-me. E agora, escrever sobre o quê? Quarenta e nove anos e nenhum problema resolvido. Vamos lá, a coluna precisa sair. Já estou defronte da tela rutilante do computador. E nem adianta abrir janelas para nelas ficar, feito Carolina virtual. Vamos lá, por que não falar do velho Lennon?
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Pois termino com a citação da música de um outro disco do John, Mind Games. Encontro em “One Day (At a Time)” aquela perfeita comunhão amorosa que todos, um dia, utópicos, sonhamos: porque eu sou o peixe, você o mar, porque eu sou a maçã e você a árvore, sou a porta, você a chave, eu sou o mel, você a abelha. Tão simples assim o amor, utopia. Um dia de cada vez está bom para nós dois. Bye.
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