quinta-feira, 10 de abril de 2008

Bar do Parque _ Elias Pinto

Houve um tempo em que o hoje lendário Ruy Barata comandava – em carne, osso e cuba libre –, no Bar do Parque, a mesa de cantores, poetas, intelectuais e bebuns em geral, e desafinava o coro dos contentes com sua língua afiada no verso mordente, pauapixuna.
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A mão direita em forma de concha sob o queixo, o eterno cigarro pendendo entre os dedos fura-bolos e o pai-de-todos, o Velho Ruy (nossa versão do Velho Graça) pedia pressa na dose, ao que o Sérgio, o garçom com bigode-cantinflas de cantante mexicano (ou guatemalteco), respondia que estava passando na manteiga – o pedido da cuba, que fique explícito.
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O poeta recepcionava os amigos com efusividade barroca (ou maneirista, já não lembro bem), mas não era incomum, ao fim da noitada, despachá-los ao diabo, ou ao bispo, conforme o gosto do cristão atirado à arena do Coliseu.
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Companheiro, pagava bebida aos desprovidos. Lá pelas tantas, amparado nos braços de musa grega com sotaque papa-chibé, embarcava num táxi e sumia na noite deste país chamado Pará, rumo a violões e outros cantos. Não se dava ao trabalho de pedir a soma da despesa. Very Important Person, tinha nome cativo no caderno de penduras da casa. (Meu nome, desconfio, continua por lá, a essa altura já nem pendurado, mas enforcado.)
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Uma vez perguntei ao Sérgio qual o cliente mais famoso que lhe passou pela bandeja. Ele não hesitou: o Ruy Barata. “Olha, ele era uma ótima pessoa, mas depois que colocava a mão no queixo, olhava de banda e começava a te tratar de irmãozinho, aí o esquema já mudava.”
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Entre as impagáveis do Ruy, nem sempre publicáveis, Sérgio recorda da ocasião em que uma das chamadas profissionais do sexo (que fizeram do Bar do Parque o seu, digamos, local de trabalho) chegou ao quiosque (o Bar do Parque para os íntimos) acompanhada do filho de poucos anos de idade. O poeta piscou para o garçom e carimbou, ao melhor estilo cartorário: “Este que é o verdadeiro filho da (....)”. Elementar, caro leitor.
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Noutra mesa do bar, Vicente Cecim delirava entre seus personagens de Andara. Mas, às vezes, encarnava a mão direita do sargento Nazareno, a que mata, e partia, pontiagudo, em assassino atletismo etílico, no encalço de um aditivado amigo jornalista e fiel adversário mallarmaico, de nietzschianos bigodes.
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Mais adiante, nas asas da levitação, o monge Max Martins pairava além do bem e do mal, sonhando com os caminhos de Marahu, enquanto dardejava, na mesa, o I Ching.
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No balcão do quiosque (repetindo, como o Bar do Parque também é chamado, neste acaso, tomando-se a parte pelo todo), o deputado Célio Sampaio confraternizava cafezinhos com os ex-colegas taxistas.
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Alta madrugada, feito um cavaleiro aprumado em seu ajaezado corcel, o playboy Alfredo Gantuss Filho, o Fredoca, avançava pela calçada, por entre as mesas, despejando decibéis de suas tuítas, inundando o entorno de Mike Oldfield e Jean-Michel Jarre, para o desbunde de sua corte e o protesto indignado dos que só queriam levar um papo-cabeça, sem trilha sonora. Os que tinham sede, no entanto, deixavam de lado a birra com o nosso Scarpa no tucupi, para compartilhar da vinícola ambulante do baronete.
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E até os chatos daquela época eram mais toleráveis. Faziam seu discurso pinel e, feito aplauso, colhiam no copo o bota-fora da freguesia, a cerveja consagrada. E se houve uma época em que os cuidados maternos se encrespavam à idéia de suas filhas se amasiarem com um rolling stone, período houve em que as moças comportadas faziam ohs! indignados à menção de tomar umas no Bar do Parque.
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Tinham lá suas pudicícias razões. Naquelas rodinhas dionisíacas, fomentadas a charos e chundas, muito se banqueteou, entre um caldo verde e outro. Mas daquela era de bravos, hiperbólicos e lítero-bêbados se forjou, entre sopapos e papos, a fama de boemia intelectual do Bar do Parque. E hoje, de que louros e louras geladas sobrevive o Bar do Parque?
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Bem, neste nosso livro da boemia belenense, o capítulo dedicado ao Bar do Parque tem de ser mais chorado (feito uma dose), por isso continuo amanhã – se os deuses da boemia assim permitirem.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Li,reli e viajei neste teu artigo.
O bar do parque da boemia de um passado não tão distante(mas que eu não conheci,assim como a maioria dos jovens da minha idade...)
não existe mais,acho que agora são lembranças daquela época que aquelas cadeiras e mesas remoem
sei por ouvir meus pais,tios,amigos deles falando.
Eu queria ter vivido aquilo,queria ter conhecido o Ruy,assim como conheço algumas das histórias dele,figuraça :)

Talvez o bar mereça uma moral especial
da prefeitura sei lá,não sei como funciona isso(haha)
mas seria legal,interessante que as próximas gerações conhecessem esse ponto do centro da cidade,como ele foi ontem,e não como vemos hoje,ali meio largado,até por que ele fica bem na frente do teatro mais bonito e glamuroso da cidade.