quinta-feira, 11 de junho de 2009

Do jeito que o Pará está, na primeira dose já estou chorando


Estava aqui à toa, fazendo hora, aguardando que vocês, leitores, chegassem até este canto do jornal, depois de folhear as primeiras páginas. E como estavam demorando, para me distrair, passeei o olhar em torno do canto onde escrevo, deliciando-me com a rica paisagem de lombadas de livros que me cerca feito uma cordilheira de leituras a vencer, que concorrem com as contas a pagar.
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Eis que então, lá no despenhadeiro de uma das estantes meu mirar de águia (parente amazônico da Águia de Haia) flagrou uma lombada mirradinha, provinciana de marré, marré, marré.
Como vocês, arreparei, ainda não vinham, e só agora estavam deixando o Guilherme Augusto e passando para a terceira página, fui até lá onde o olhar mergulhou e pesquei o livro.
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Ora, ora. Era do confrade Mário Couto, A Sexta Dose e as Hipóteses. E agora fiquei em dúvida se devo continuar o texto, no pressuposto de que quando vocês, leitores, aqui chegarem, saberão quem é o Mário Couto, não confundirão com aquele lá de Brasília, o senador, mais chegado, em vez de livros, a tapiocas – que o amigo Cori passa todo dia, aqui na Ferreira Cantão, anunciando: “Tapioooooooqueiroooooooooo”.
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Na dúvida (a de vocês), melhor deixar breve, ligeira apresentação: o Mário Couto a que me refiro era jornalista, cronista cá da terrinha. Eu próprio, quando editor da Cejup, acho que acompanhei a edição de A Grande Viagem, outro livro seu, póstumo.
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Engraçado é que, entre as dedicatórias deste volume que fui buscar ali na estante, há uma que parece honrar uma dívida do autor com o “Dr. José Rodrigues da Silveira Neto, a quem prometi uma obra póstuma”. Bem, todos, mais dia menos dia, seremos póstumos. E na epígrafe o Couto não deixou por menos: foi lá no Ulisses, do James Joyce, buscar um trecho.
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A crônica que dá título ao livro (e vocês, quando aqui chegarem, certamente terão curiosidade acerca do título) fala de um homem que, ao pedir a sexta dose de uísque, começa a chorar, logo depois do primeiro gole. É o que trata de esclarecer, o chorão, a um outro homem que está na mesa defronte. “Sempre na sexta dose?”, pergunta este. “Precisamente. Sempre na sexta dose”, confirma o primeiro. As hipóteses entram depois.
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“Não será por acaso uma hipótese a razão de seu choro?”, pergunta o segundo personagem, o narrador da história, que termina assim: “Levou o copo aos lábios. De um sorvo, engoliu toda a bebida. Então, começou a chorar”
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E como esse choro, depois que começa, não tem hora para acabar, lembrei de outro póstumo, o mestre Francisco Paulo Mendes. Uma vez, na sua casa, eu o entrevistava sobre um assunto que já não lembro e aí nosso diálogo desviou seu curso e desaguou nas águas da literatura e na confluência desta com o jornalismo. Ele então lembrou o caso de Mário Couto, que teria tido seu desenvolvimento literário prejudicado pela dedicação ao jornalismo.
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Este é um tema que já alimentou muitas páginas, tanto de livros quanto de jornais. A começar, no caso brasileiro, pelo maior dos nossos escritores. Machado de Assis iniciou a vida profissional como aprendiz de tipógrafo e revisor de jornal. Não vou nem abrir um parágrafo para tratar dos folhetins, a literatura com um pé no jornal, ou vice-versa.
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Já no início do século passado, Paulo Barreto, mais conhecido pelo nome literário de João do Rio, perguntou, num questionário: “O jornalismo, especialmente no Brasil, é um fator bom ou mau para a arte literária?”. Houve quem notasse, naquela ocasião, que a melhor literatura brasileira das últimas décadas havia feito escala na imprensa.
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Certa vez, Manuel Bandeira, ao topar com Guimarães Rosa, perguntou-lhe como estava se saindo da obrigação de redigir um artigo semanal para O Globo. “Angustiado”, respondeu o autor de Sagarana. Bandeira então observa: “Rosa não é jornalista”. E emenda o poeta pernambucano: “Para o jornalista, digo o jornalista de vocação, escrever não é obrigação: é necessidade.
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O jornalista quer escrever todos os dias, não pode deixar de escrever, se não escrever, morre entupido. Duas vezes por semana apenas eu bato à máquina, à última hora, uma croniquinha pífia. Danado da vida”. E conclui: “Não sou jornalista”.
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Meu caro e póstumo Mário Couto, dê uma vaga aí na mesa: do jeito que o Pará está, na primeira dose já estou chorando. Bem, melhor enxugar as lágrimas e voltar ao início da coluna para receber vocês, que, enfim, estão chegando.
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* Texto de Elias Ribeiro Pinto
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2 comentários:

papistar_nunes disse...

Eu já choro de ver o Pará como está, sem nenhuma pinga na moringa.

Benny Franklin disse...

Salve, Poetinnha!
Salve Mestre Elias!

Essa é o tipo da crônica que EU gostaria de ter escrito. Mas como tenho as minhas limitações...

Bato Palmas!!!!!!

Abçs.