quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Orgulho e decepção

Texto de Elias Pinto (foto)

1 Era ali pelo início da década de 1990 e tinha ido à Bienal Internacional do Livro de São Paulo, a minha primeira bienal paulistana – no ano anterior, eu estreara a do Rio. Viveria um dia inesquecível, avançando pela madrugada.
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2 Começou com um almoço. À mesa, eu, o crítico, poeta, tradutor e jornalista João Moura Jr. (na época, editava o ‘Folhetim’ da “Folha de S. Paulo”) e o crítico e professor Davi Arrigucci Jr., autor de importantes estudos (como “Humildade, Paixão e Morte: A Poesia de Manuel Bandeira”) e um dos principais intérpretes brasileiros da obra do escritor argentino Julio Cortázar.
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3 O chope correndo generoso antes e depois do almoço, lá pelas tantas propus, provocador: que cada um indicasse o maior escritor brasileiro do momento. Citou-se, se bem me lembro, Rubem Fonseca, João Gilberto Noll, João Ubaldo Ribeiro, não recordo se Ariano Suassuna, acho que Milton Hatoum foi citado, já no embalo do lançamento de seu primeiro romance, “Relato de um Certo Oriente”, e outros mais.
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4 Causei surpresa ao pronunciar o nome de Haroldo Maranhão como o meu escritor preferido entre os contemporâneos. Depois do espanto inicial e de atribuírem a escolha ao meu bairrismo, João Moura e Davi Arrigucci concordaram que Haroldo tinha, sim, uma obra respeitável, mas era pouco ou praticamente desconhecido entre os leitores do país, o que era verdade.
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5 Era e continua sendo. O escritor paraense morreu em 2004 e seus livros continuam a ser um item raro, tanto em vida quanto na morte do autor. Haroldo sofreu, às vezes, com edições descuidadas ou mal distribuídas, ou as duas coisas ao mesmo tempo.
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6 Grandes romances como “Cabelos no Coração”, “O Tetraneto del-Rei”, “Rio de Raivas” e “Os Anões” permanecem fora de catálogo há muito tempo. Ou livros de contos, como “As Peles Frias”. Ou livros de crônicas, como o maravilhoso “Flauta de Bambu”. E muitos deles receberam premiações importantes. Por exemplo, “O Tetraneto del-Rei” mereceu o “Prêmio Guimarães Rosa”, na única vez, se não me falha a falha memória, que tal distinção foi conferida a um escritor. “As Peles Frias recebeu o “Prêmio José Lins do Rego”. “A Morte de Haroldo Maranhão”, o “Prêmio União Brasileira de Escritores”.
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7 A Editora Planeta ensaiou a reedição (e fui chamado, à época, para intermediar o contato) de alguns de seus títulos, mas ficou em duas publicações, entre as quais o notável “Memorial do Fim: A Morte de Machado de Assis”. A amiga Vera Castro, na sua coluna de domingo, lembrou que a prefeitura, na gestão de Edmilson Rodrigues, formou uma comissão, de que fui um dos participantes, com a incumbência de dar início à publicação dos títulos de Haroldo, mas que ficou só mesmo no primeiro: “Pará, Capital: Belém”, uma preciosa antologia de textos sobre Belém organizada pelo autor de “Cabelos no Coração”.
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8 Por isso, não podemos nem nos queixar de que a crítica nacional não dedique a Haroldo a atenção que ele merece, pois somos incapazes de dar essa atenção ao nosso escritor maior – e considero Haroldo Maranhão, sem querer inaugurar rivalidades estéreis, um escritor mais interessante que Dalcídio Jurandir. O ideal seria também reeditar Dalcídio, passo que já se está dando, através da UFPA e da Uepa.
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9 Da atual prefeitura, obviamente, não se espera nada, e é melhor até que seja assim, dado o dom de Duciomar Costa de tornar insalubre tudo o que toca. Mas o governo do Estado, através de sua Secretaria de Cultura, podia se empenhar (propondo coedições com editoras nacionais, com empresas privadas e instituições públicas federais) no projeto de reeditar alguns títulos de Haroldo, talvez iniciando pelos inéditos que o escritor deixou, também citados por Vera Castro no domingo passado. E depois, uma bem-vinda reedição de “Rio de Raivas”, de “Cabelos no Coração”, em publicações bem cuidadas, com estudos de grandes críticos enriquecendo a edição.
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10 O DIÁRIO lançou, no domingo, uma campanha de resgate do orgulho de ser do Pará. Muito bem: devemos ter orgulho de um escritor da importância de Haroldo Maranhão. E, por isso, é uma decepção e um escândalo que sua obra mereça tão pouca atenção de nossa parte, e com isso os leitores fiquem privados da arte literária de um grande paraense, da melhor que já se produziu entre nós.
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