Nós não podemos amar, filho.
O amor é a mais carnal das ilusões.
Amar é possuir, escuta.
E o que possui quem ama?
O corpo?
Para o possuir seria preciso tornar nossa a sua matéria,
comê-lo, uncluí-lo em nós...
E essa impossibilidade seria temporária,
porque o nosso próprio corpo passa e se transforma,
porque nós não possuímos o nosso corpo
(possuímos apenas a nossa sensação dele),
e porque, uma vez possuído esse corpo amado,
tornar-se-ia nosso,
deixaria de ser outro,
e o amor, por isso, com o desaparecimento do outro ente,
desapareceria...
.
Possuímos a alma?
Ouve-me em silêncio: Nós não a possuímos.
Nem a nossa alma é nossa sequer.
Como, de resto, possuir uma alma?
Entre alma e alma há o abismo de serem almas.
.
Que possuímos? Que possuímos?
Que nos leva a amar ? A beleza?
E nós a possuímo-la amando?
A mais feroz e dominadora posse de um corpo
o que possui dele?
Nem o corpo, nem a alma, nem a beleza sequer.
.
A posse de um corpo lindo não abraça a beleza,
abraça a carne celulada e gordurosa;
o beijo não toca a beleza da boca,
mas na carne molhada dos lábios perecíveis e mucosas;
a própria cópula é um contato apenas,
um contato esfregado e próximo,
mas não uma penetração real,
sequer de um corpo por outro corpo...
Que possuímos nós? Que possuímos?
.
As nossas sensações ao menos?
Ao menos o amor é um meio de nos possuirmos,
a nós, nas nossas sensações?
É ao menos, um modo de sonharmos nitidamente,
e mais gloriosamente portanto,
o sonho de exitirmos?
E ao menos, desaparecida a sensação,
fica a memória dela conosco sempre, e assim,
realmente possuímos...
.
Desenganemos até disso.
Nós nem as nossas sensações possuímos.
Não fales.
A memória, afinal, é a sensação do passado...
E toda sensação é uma ilusão.
.
Escuta-me, escuta-me sempre.
Escuta-me e não olhes pela janela aberta
a plana outra margem do rio,
nem o crepúsculo,
nem esse silvo de um comboio que corta o longe vago.
Escuta-me em silêncio...
.
Nós não possuímos as nossas sensações...
Nós não nos possuímos nelas.
.
*Poeta Fernando Pessoa.
.
***
2 comentários:
Ronaldo... só um solêncio eloqüemte pode traduzir minha emoçao diante sua arte.
PARABÉNS!!
Hoje ao ler o jornal, tive um grande susto!!!
Um convite para a missa de sétimo dia do Ronaldo Franco...
Vim conferir no blog... era um homônimo...
Triste notícia para os familiares daquele... mas muito feliz para os amantes da belas palavras.
Postar um comentário