terça-feira, 18 de agosto de 2009

Dr.Jekyll and Mr.Hyde > escreve Elias Pinto

Na foto:Ernest Hemingway
Quem nunca ficou de porre e passou dos limites, fazendo escândalo ou dando trabalho aos amigos e familiares, que atire o primeiro copo.
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A melhor atitude que tomei (para continuar tomando umas e outras) foi a de parar de dirigir, há mais de vinte anos. Bebo, pego um táxi – o problema é quando o taxista é que está de fogo, como já me aconteceu.
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A história da literatura – ou melhor, a biografia de seus autores – podia ser engarrafada, tal a quantidade de escritores alcoólatras. Em particular, a literatura norte-americana. Daria para formar um daqueles elencos com dezenas de nomes que povoam as superproduções do diretor Cecil B. DeMille.
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Pelo menos cinco dos norte-americanos que ganharam o Nobel de Literatura entornavam brabo: Sinclair Lewis, Eugene O’Neill, Ernest Hemingway, William Faulkner e John Steinbeck.
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O que parece dar a impressão de que a birita não lhes avinagrou o talento. Impressão falsa – eles podiam ter ido muito além. A bebida lhes devastou corpo e mente. Alguns se suicidaram, caso de Hemingway. Outros beberam até morrer, literalmente, como Edgar Allan Poe. E há quem se vazou em sangue por todos os orifícios, a exemplo do humorista Robert Benchley.
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Claro, há sempre lugar para o folclore, para o lendário boêmio. Temos, nesse capítulo, o grande escritor William Faulkner, depois de atravessar o Atlântico e uma carraspana, abrindo a janela de um hotel em São Paulo e perguntando o que fazia, afinal, em Chicago.
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Para nós, simples mortais, pior que acordar num mar de ressaca é ter alguém pronto para nos recapitular a noite de bebedeira e de vexames, impedindo que a amnésia alcoólica sepulte de vez o que a nossa memória, sábia, não reteve.
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Detido por dirigir embriagado e, depois, insultar e humilhar os policiais que o conduziram à Seccional do Comércio, as cenas de alcoolismo explícito protagonizadas pelo procurador do Estado Paulo de Tarso Dias Klautau Filho já entraram para o folclore etílico da cidade. Pior do que uma Candinha matinal acordá-lo com a narração das desventuras e dos excessos bacantes de véspera foi, para o procurador, ter sido despertado pelas trombetas das imagens de sua fanfarronice pinguça anunciadas para todo o Brasil.
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No entanto, como ocorre na literatura e em outras atividades, o lendário boêmio não deve amenizar, com seu tom de comédia pastelão, o potencial devastador do alcoolismo, seja ele eventual ou contumaz.
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O procurador, pelo que li e ouvi, submeteu-se ao teste do bafômetro, como é popularmente conhecido, e nele atestou-se o excesso de álcool no sangue, muito acima do permitido por lei. Não vamos pensar no pior de ter alguém, seja ele um procurador do Estado, dirigindo embriagado, pondo em risco a sua vida e a de outros.
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Paulo Klautau, detido na seccional, anunciou, tonitruante, sua condição de advogado e procurador, e por isso recebeu tratamento que, em geral, numa delegacia, não se dispensa aos cidadãos comuns. Foi uma atitude deplorável.
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No dia seguinte, mostrando-se arrependido, pediu desculpas aos policiais, à família e à sociedade, dizendo-se disposto a responder ao processo como um cidadão comum. Foi uma atitude louvável. .
Porém, ao, boquirroto e bêbado, alardear sua condição de procurador, Klautau pôs-se numa posição acima da do cidadão comum.
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Agora, sóbrio e racional, não lhe cabe – apenas – responder aos rigores da lei como um cidadão comum.
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Precisa manter a postura de um procurador, dando o exemplo maior. Como, por decisão própria, deixar de dirigir, já, pelo prazo que, no seu caso, a lei prevê. Seria antecipar-se à própria lei. E jamais sair para beber dirigindo, nunca mais. O procurador, certamente, dispõe de mais recursos do que eu para pegar um táxi.
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Fruto de uma ampla campanha de proibição da produção e comércio de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos, a Lei Seca tornou-se lei – a décima oitava emenda à Constituição – em 1919, e que depois se tentou copiar no Brasil. Em 1931, o poeta cordelista paraense Apolinário Souza, de Abaetetuba (claro), publicou um folheto, intitulado “Lei Seca”, narrando essa imposição e sua inutilidade.
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Neste sábado, enquanto saio para tomar umas (tomando um táxi depois), dedico ao preclaro procurador esse trecho do cordel de Apolinário, certo de que ele concorda que aqueles tempos narrados no folheto mudaram: “Quando um pobre mata o bicho/ E sai, às vezes, tombando,/ Não faltam línguas ferinas/ Para seu nome ir cortando,/ Porém quando o rico bebe/ Ninguém está reparando”.
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Um comentário:

Anônimo disse...

O bêbado prepotente e arrogante como é o caso do procurador é condenável, mas há aqueles bêbados cultos e divertidos que são um excelente papo, e quanto mais bêbados melhor. Quem já tomou uma birita com o Paulo Cal ou o Bob Menezes sabe do que estou falando. A bebida sempre libera o lado oculto do ser: valentão, palhaço, tarado, sentimental e até bicha. Portanto, cada um deve ter consciência dos seus limites das consequências, também.

-Klaus Hermann Wirz