terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Sovaco Etílico - Elias Pinto


Sabe quando a gente volta para casa, depois de uma ou duas semanas viajando? Como não ficou ninguém para cuidar do dia a dia, ao abrir a porta já vamos topando com alguma correspondência que conseguiram jogar por debaixo da porta ou por entre as frestas da janela – que os livros, de entrega quase diária, os companheiros dos Correios, depois de tentativas frustradas, deixam para trazer depois, no meu regresso.
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É preciso abrir as janelas, dar uma geral, verificar os eventuais estragos de uma chuvarada – se alguma goteira, além das já conhecidas e familiares, não deu o ar de sua (des)graça –, se os cupins não abriram um novo front. Isto, obviamente, se a bandidagem não apareceu para uma geral, risco a que estamos sempre submetidos, os moradores de casa.
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Retomar o espaço aqui da coluna não deixa de ser um retorno ao lar. Também é preciso abrir as janelas (para a nossa aldeia, logo, para o mundo, como receitou Tolstói), ventilar o ambiente, varrer o pó acumulado.
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Como tenho feito nos anos mais recentes, aproveitei a folga e dei-me o direito de passar uma semana em Algodoal, na ilha de Maiandeua. (Acho que agora aprendi. A vila de Algodoal é uma espécie de capital da ilha de Maiandeua, que também conta com outras vilas, Fortalezinha, Mocooca e Camboinha.)
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A preferência deve-se ao fato de a ilha não abrigar um só espécime deste terrível predador: o automóvel. E com isso livramo-nos, numa única temporada de férias, não só do carro mas também do abominável motorista que costuma excretar seu dejeto sonoro a todo volume.
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Verdade que o carimbó, música típica entre os nativos da ilha, anda perdendo espaço para o reggae, trilha sonora que domina a faixa litorânea virgulada pelos bares da onda (desconfio que este meu “da onda” já saiu da crista da onda desde que Elvis Presley deixou cair sua última gota de suor em Las Vegas). Há momentos em que Algodoal parece uma filial da regueira São Luis.
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Mas só em Algodoal é possível achar, na praia da Princesa, um bar simpático e bucólico, com música agradável e em volume civilizado, sem pressa nem aperreio na hora de voltar, a qualquer hora, em qualquer estação, mesmo na alta, dependendo apenas das próprias pernas, ou da canoa para a travessia do canal, se a maré ainda não tiver baixado.
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Verdade que ouvi comentários, por lá, de assaltos na praia, de brigas – mas nada que se assemelhe, por exemplo, a Mosqueiro, Salinas e mesmo à ilha de Marajó. Algodoal tem um ritmo todo seu, em que a garrafa de bebida enfiada debaixo do sovaco e levada para todo lado faz parte do kit básico de sobrevivência entre os veranistas. Não gosto, particularmente, desse hábito – dos visitantes, não dos nativos.
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No entanto, pude, num dos dias, experimentar esse costume. Encontrei, na praia, uma garrafa vazia, de Campari, se não me falha a falha memória do meu PC, meu Pobre Cérebro. Não hesitei. Metia-a debaixo do sovaco, assim parecendo mais um da irmandade. Afinal, não queria dar na vista, indo para todo lado com um livro sob o braço. Troquei o sovaco ilustrado pelo sovaco etílico.
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Falei de assaltos? Pois é. Bastou chegar a Belém para ser recebido pelo tiroteio habitual, pelo sortido catálogo de crimes com que a cidade recebe os que chegam. E nunca antes nesta cidade, como poderia dizer o autointitulado bicho do mato que lhe faz as vezes de alcaide, o aniversário de Belém foi comemorado de forma tão infausta, depois de um Natal mais mortiço que a Família Adams. É um desaniversário, que me permita o grande Lewis Carroll.
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Ah, e sabe aquelas janelas abertas para arejar o ambiente? Melhor fechá-las já, antes que me invadam a casa e eu me torne refém. Mais do que já somos.

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