Mas não é preciso haver guerra nem nenhum perigo; nesta madrugada em que escrevo, quantas mulheres não estarão esperando os maridos?
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Aquela pequena luz acesa em um edifício distante é talvez o apartamento da mulher insone que já telefonou meio envergonhada para várias casas amigas perguntando pelo marido, que já olhou o relógio vinte vezes e tomou comprimido para dormir, ligou o rádio, tentou ler uma revista velha, fumou quase um maço de cigarros.
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Não importa que seja a esposa vulgar de um homem vulgar; e que no fim a história do atraso dele seja também completamente vulgar.
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Neste momento ela é a mulher esperando o homem;
e todas as mulheres esperando seus homens se parecem no mundo, e se ligam por invisível túnel de solidariedade que atravessa as madrugadas intermináveis.
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Todas: a mulher do pescador, a mulher do aviador, e a do revisor de jornal, a do milionário e a do ministro protestante...
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Devia haver um santo especial para proteger a mulher esperando o homem,
devia haver uma oração bem forte para ela rezar;
ela está desamparada no centro de um mundo vazio.
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Ela começa a odiar os móveis e as paredes;
a torneira da pia lhe parece antipática;
a geladeira, que aliás precisa ser pintada, é estúpida, porque ronca de repente e depois o silêncio é mais quieto.
A cama é insuportável.
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(...) A mulher que está esperando o homem está sujeita a muitos perigos entre o ódio e o tédio, o medo, o carinho e a vontade de vingança.
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(...)Porque a mulher que está esperando o homem
recebe a visita do Diabo, e conversa com ele.
Pode não concordar com o que ele diz, mas conversa com ele.
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* Rubem Braga
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