Caros amigos,
Partilho com vocês mais uma honra, mais um presente que recebo em minha carreira. O colossal romancista José Louzeiro, autor de clássicos como "Pixote" e "Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia", assina o prefácio de "Velas na Tapera", meu primeiro romance, obra vencedora do Prêmio Dalcídio Jurandir. Neste especialíssimo texto, Louzeiro fala sobre minha narrativa e sobre o grande mestre das letras amazônicas. Ele e Dalcídio foram amigos. Leiam abaixo.
Abraços,
Carlos Correia Santos
PERSONAGEM EMBLEMÁTICA
José Louzeiro*
Este premiado romance de Carlos Correia Santos, leva-me a lembrar do talentoso e retraído Dalcídio Jurandir que conheci, no Rio, início da década de 50, quando ele havia publicado "Linha do Parque" (1958) e sobre o qual muito falamos. Infelizmente, os críticos que mantinham colunas semanais nos suplementos literários do Correio da Manhã, Diário de Notícias, Diário Carioca e Jornal do Brasil, pouco ou nada disseram desse trabalho do importante autor.
Dalcídio era comunista militante, defensor intransigente do proletariado no poder, mas sem a exaltação de muitos de seus camaradas. Seu maior defeito: nunca foi de badalar-se para atrair a atenção dos críticos, como tantos autores de esquerda fizeram, aproveitando a onda e a popularidade do Partidão.
Dalcídio não viajou para Moscou, não se engrenou no coro daqueles que faziam a exaltação de Stalin, hoje considerado tão criminoso quanto Hitler. Em matéria de política, Dalcídio aprendera a ser um marxista prudente, decidido, mas desconfiado... Não era de dar o passo maior que as pernas... Por isso, não me consta que o "Editorial Vitória", do PCB, por exemplo, tenha publicado algum dos seus romances. E se o fez, não o divulgou como devia ou fazia com os "aguerridos leninistas", defensores exaltados de Luiz Carlos Prestes.
Dalcídio nasceu na Ilha do Marajó, em 1909. Fez sua estréia com o livro de contos "Rés-do-Chão", em 1931. Sete anos depois escreveria "Salvaterra". Entre os anos de 1941/44, em plena II Guerra Mundial, exerceu intensa atividade jornalística, no Rio de Janeiro. Escreveu em "Diretrizes", "O Popular", "Voz Operária" e "Paratodos". Em 1947 lança "Marajó". Seu último livro intitulou-se "Passagem dos Inocentes" (1963).
Em boa hora, o nome do injustiçado Dalcídio vira prêmio literário em Belém, Pará, e o vencedor é o talentoso Carlos Correia Santos – "Velas na Tapera" – que prima pela criatividade, e eu até diria, pela singularidade na maneira de expressar-se.
Isso faz com que este "Velas na Tapera" seja uma obra cativante e originalíssima. O autor brinca com as frases sincopadas e a elas dá espírito novo, através de sugestivas e oportunas expressões metafóricas. A par desses recursos, de certa maneira cultivados por Guimarães Rosa, há que se destacar a preocupação do autor com a questão social, coisa essa imanente em todas as obras de Dalcídio.
A personagem trabalhada, dramaticamente por Carlos Correia é Rita Flor que, com suas vestes pretas, transforma-se numa espécie de estandarte vivo do sofrimento e da desesperança; da mulher diante de seus problemas pessoais, mas funcionando como figura emblemática neste livro que é a narrativa, também, do desastre de uma grande aventura industrial – a Fordlândia (Companhia Henry Ford Motores e Cia.) – que se instala em plena selva amazônica, mas pouco depois sobrevém a desilusão: o projeto naufraga no mar de folhas de todos os verdes, os prédios tornam-se taperas, as máquinas são esquecidas no matagal, como a pedir socorro pelo abandono a que foram entregues.
Mas ao autor, experiente teatrólogo, não basta contar a história do naufrágio do ambicioso projeto industrial numa região da mais absoluta carência; ele se esmera na técnica do dizer, do inventar, literariamente, coisa essa que o coloca no plano mais alto que um escritor poderia aspirar. Claro está que neste "Velas na Tapera" há muitos e bem traçados personagens, mas a figura que transcende é a de Rita Flor, forte e decidida como certas personagens da obra de Bertolt Brecht.
O enterro que Rita faz da filha equivale, nas entrelinhas, ao verdadeiro e definitivo funeral (ou pá de cal?...) do projeto norte-americano que se tornou esperança de vida para uma comunidade inteira, na floresta que guarda tanto viço e riquezas a serem descobertas.
Neste "Velas na Tapera", Rita me faz lembrar, de certa forma, "A Alma Boa de Setsuan" (Brecht), pois ela é, na verdade, uma "parábola teatral," ao mesmo tempo em que pode ser o espírito da mata, da dor materializada no pólen das flores, da decadência, das malárias e pesadelos, dos que sonharam e acordaram perdedores, tremendo no frio da desesperança.
Com este primeiro romance, se Carlos Correia já era considerado versátil teatrólogo, agora estréia na condição de ficcionista que prima pelas inovações e capacidade narrativa. Depois de sepultar a filha Saninha, Rita "se deitaria para sempre sobre a solidão", pois ela passa a ser a personificação do que, popularmente, chamamos de "alma penada", sujeita a chuvas e trovoadas.
O autor traça de tal forma o desenho desta personagem que sua projeção estende-se sobre a narrativa, torna-se absoluta e por que não dizer, chocante, surpreendente, pois é clara a intenção do autor em revolucionar as velhas formas "do dizer e do sentir" no contar de uma história.
"Velas na Tapera" é o que se pode chamar de realismo mágico a envolver a pequena comunidade marcada pela ausência de caminhos. Apenas Rita trilha as picadas da ausência, na louca tentativa de resgatar Saninha, materialização da saudade, do que se foi, não é mais. Menos para Rita. Curioso: essa metáfora, criada com maestria pelo ficcionista, envolve todos os habitantes das taperas, inconscientes da realidade que é uma espécie de rio sem começo e sem fim.
Somente Rita Flor, com as pegadas que deixa pelos caminhos fundos, pulsa como sendo a dor e a oculta paixão de certos homens, que sabem não serem correspondidos, pois o coração de Rita foi sepultado com o corpo de Saninha.
No desvario dela própria e no dos outros é que Rita encontra forças para manter-se viva no seu "mudo prantear". Mas na visão estreita dos vizinhos ela é apenas a desmemoriada, que tudo perdeu – o marido, a casa incendiada – e, agora, vive das luzes que recebe da filha sepultada, mas que, para ela, mantém-se "vela acesa" ou sonho que não se deixa mesclar pelas cores soturnas do seu desafiador existir.
No mundo especial em que Rita transita, além das folhas verdes da floresta, há velas acesas a iluminar sua passagem. Pena que ela já tivesse "um ver que não via nada", nem seus ouvidos registravam os "sussurros do mato" e muito menos os "cochichos de reentrâncias".
As dores transformaram Rita Flor em assombração no inconsciente dos humilhados e ofendidos. Com este livro, Carlos Correia demonstra ser um grande conhecedor do poder das metáforas e de como utilizá-las com sutileza e sabedoria.
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* Um dos mais importantes nomes das letras nacionais, José Louzeiro é autor de 40 livros e criador, no Brasil, do gênero intitulado romance-reportagem. Atuou em célebres veículos de comunicação, como "Última Hora", "Correio da Manhã" e Revista Manchete. No cinema já assinou, como roteirista, dez longas-metragens, dos quais pelo menos três se tornaram populares: "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia", "Pixote" e "O Homem da Capa Preta". Lançou pela Editora Francisco Alves o estudo biográfico intitulado O Anjo da Fidelidade, sobre Gregório Fortunato, o "anjo negro" de Getúlio Vargas. Em 2001, pela Editora do Brasil: "Isto não deu no jornal" (memórias de sua passagem por cinco jornais cariocas). E em 2002, "Ana Nery, a brasileira que venceu a guerra" (Editora Mondrian): biografia da heroína baiana, patrona dos enfermeiros brasileiros. O trabalho foi adaptado para a televisão, tendo Marília Pêra como protagonista. Ainda na TV, foi o autor de novelas como "Corpo Santo".
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Partilho com vocês mais uma honra, mais um presente que recebo em minha carreira. O colossal romancista José Louzeiro, autor de clássicos como "Pixote" e "Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia", assina o prefácio de "Velas na Tapera", meu primeiro romance, obra vencedora do Prêmio Dalcídio Jurandir. Neste especialíssimo texto, Louzeiro fala sobre minha narrativa e sobre o grande mestre das letras amazônicas. Ele e Dalcídio foram amigos. Leiam abaixo.
Abraços,
Carlos Correia Santos
PERSONAGEM EMBLEMÁTICA
José Louzeiro*
Este premiado romance de Carlos Correia Santos, leva-me a lembrar do talentoso e retraído Dalcídio Jurandir que conheci, no Rio, início da década de 50, quando ele havia publicado "Linha do Parque" (1958) e sobre o qual muito falamos. Infelizmente, os críticos que mantinham colunas semanais nos suplementos literários do Correio da Manhã, Diário de Notícias, Diário Carioca e Jornal do Brasil, pouco ou nada disseram desse trabalho do importante autor.
Dalcídio era comunista militante, defensor intransigente do proletariado no poder, mas sem a exaltação de muitos de seus camaradas. Seu maior defeito: nunca foi de badalar-se para atrair a atenção dos críticos, como tantos autores de esquerda fizeram, aproveitando a onda e a popularidade do Partidão.
Dalcídio não viajou para Moscou, não se engrenou no coro daqueles que faziam a exaltação de Stalin, hoje considerado tão criminoso quanto Hitler. Em matéria de política, Dalcídio aprendera a ser um marxista prudente, decidido, mas desconfiado... Não era de dar o passo maior que as pernas... Por isso, não me consta que o "Editorial Vitória", do PCB, por exemplo, tenha publicado algum dos seus romances. E se o fez, não o divulgou como devia ou fazia com os "aguerridos leninistas", defensores exaltados de Luiz Carlos Prestes.
Dalcídio nasceu na Ilha do Marajó, em 1909. Fez sua estréia com o livro de contos "Rés-do-Chão", em 1931. Sete anos depois escreveria "Salvaterra". Entre os anos de 1941/44, em plena II Guerra Mundial, exerceu intensa atividade jornalística, no Rio de Janeiro. Escreveu em "Diretrizes", "O Popular", "Voz Operária" e "Paratodos". Em 1947 lança "Marajó". Seu último livro intitulou-se "Passagem dos Inocentes" (1963).
Em boa hora, o nome do injustiçado Dalcídio vira prêmio literário em Belém, Pará, e o vencedor é o talentoso Carlos Correia Santos – "Velas na Tapera" – que prima pela criatividade, e eu até diria, pela singularidade na maneira de expressar-se.
Isso faz com que este "Velas na Tapera" seja uma obra cativante e originalíssima. O autor brinca com as frases sincopadas e a elas dá espírito novo, através de sugestivas e oportunas expressões metafóricas. A par desses recursos, de certa maneira cultivados por Guimarães Rosa, há que se destacar a preocupação do autor com a questão social, coisa essa imanente em todas as obras de Dalcídio.
A personagem trabalhada, dramaticamente por Carlos Correia é Rita Flor que, com suas vestes pretas, transforma-se numa espécie de estandarte vivo do sofrimento e da desesperança; da mulher diante de seus problemas pessoais, mas funcionando como figura emblemática neste livro que é a narrativa, também, do desastre de uma grande aventura industrial – a Fordlândia (Companhia Henry Ford Motores e Cia.) – que se instala em plena selva amazônica, mas pouco depois sobrevém a desilusão: o projeto naufraga no mar de folhas de todos os verdes, os prédios tornam-se taperas, as máquinas são esquecidas no matagal, como a pedir socorro pelo abandono a que foram entregues.
Mas ao autor, experiente teatrólogo, não basta contar a história do naufrágio do ambicioso projeto industrial numa região da mais absoluta carência; ele se esmera na técnica do dizer, do inventar, literariamente, coisa essa que o coloca no plano mais alto que um escritor poderia aspirar. Claro está que neste "Velas na Tapera" há muitos e bem traçados personagens, mas a figura que transcende é a de Rita Flor, forte e decidida como certas personagens da obra de Bertolt Brecht.
O enterro que Rita faz da filha equivale, nas entrelinhas, ao verdadeiro e definitivo funeral (ou pá de cal?...) do projeto norte-americano que se tornou esperança de vida para uma comunidade inteira, na floresta que guarda tanto viço e riquezas a serem descobertas.
Neste "Velas na Tapera", Rita me faz lembrar, de certa forma, "A Alma Boa de Setsuan" (Brecht), pois ela é, na verdade, uma "parábola teatral," ao mesmo tempo em que pode ser o espírito da mata, da dor materializada no pólen das flores, da decadência, das malárias e pesadelos, dos que sonharam e acordaram perdedores, tremendo no frio da desesperança.
Com este primeiro romance, se Carlos Correia já era considerado versátil teatrólogo, agora estréia na condição de ficcionista que prima pelas inovações e capacidade narrativa. Depois de sepultar a filha Saninha, Rita "se deitaria para sempre sobre a solidão", pois ela passa a ser a personificação do que, popularmente, chamamos de "alma penada", sujeita a chuvas e trovoadas.
O autor traça de tal forma o desenho desta personagem que sua projeção estende-se sobre a narrativa, torna-se absoluta e por que não dizer, chocante, surpreendente, pois é clara a intenção do autor em revolucionar as velhas formas "do dizer e do sentir" no contar de uma história.
"Velas na Tapera" é o que se pode chamar de realismo mágico a envolver a pequena comunidade marcada pela ausência de caminhos. Apenas Rita trilha as picadas da ausência, na louca tentativa de resgatar Saninha, materialização da saudade, do que se foi, não é mais. Menos para Rita. Curioso: essa metáfora, criada com maestria pelo ficcionista, envolve todos os habitantes das taperas, inconscientes da realidade que é uma espécie de rio sem começo e sem fim.
Somente Rita Flor, com as pegadas que deixa pelos caminhos fundos, pulsa como sendo a dor e a oculta paixão de certos homens, que sabem não serem correspondidos, pois o coração de Rita foi sepultado com o corpo de Saninha.
No desvario dela própria e no dos outros é que Rita encontra forças para manter-se viva no seu "mudo prantear". Mas na visão estreita dos vizinhos ela é apenas a desmemoriada, que tudo perdeu – o marido, a casa incendiada – e, agora, vive das luzes que recebe da filha sepultada, mas que, para ela, mantém-se "vela acesa" ou sonho que não se deixa mesclar pelas cores soturnas do seu desafiador existir.
No mundo especial em que Rita transita, além das folhas verdes da floresta, há velas acesas a iluminar sua passagem. Pena que ela já tivesse "um ver que não via nada", nem seus ouvidos registravam os "sussurros do mato" e muito menos os "cochichos de reentrâncias".
As dores transformaram Rita Flor em assombração no inconsciente dos humilhados e ofendidos. Com este livro, Carlos Correia demonstra ser um grande conhecedor do poder das metáforas e de como utilizá-las com sutileza e sabedoria.
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* Um dos mais importantes nomes das letras nacionais, José Louzeiro é autor de 40 livros e criador, no Brasil, do gênero intitulado romance-reportagem. Atuou em célebres veículos de comunicação, como "Última Hora", "Correio da Manhã" e Revista Manchete. No cinema já assinou, como roteirista, dez longas-metragens, dos quais pelo menos três se tornaram populares: "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia", "Pixote" e "O Homem da Capa Preta". Lançou pela Editora Francisco Alves o estudo biográfico intitulado O Anjo da Fidelidade, sobre Gregório Fortunato, o "anjo negro" de Getúlio Vargas. Em 2001, pela Editora do Brasil: "Isto não deu no jornal" (memórias de sua passagem por cinco jornais cariocas). E em 2002, "Ana Nery, a brasileira que venceu a guerra" (Editora Mondrian): biografia da heroína baiana, patrona dos enfermeiros brasileiros. O trabalho foi adaptado para a televisão, tendo Marília Pêra como protagonista. Ainda na TV, foi o autor de novelas como "Corpo Santo".
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Um comentário:
Adorei, tem tudo pra estourar!!
Quanto àquela entrevista, seria legal organizarmos né?
Um beijo.
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