sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Poemas de Marcos Quinan

Rio Madeira
Marcos Quinan

*Porto Velho


Esturro silencioso
Esbanjando rebojos
Perfumando o ar
Vestindo a mulher ausente
Que na lembrança mora

Madeira desce madeira
Despe meu olhar
Fincando nos olhos
A imensidão
Ferindo o tempo
Da minha angústia
Limpando as terras caídas
Que tenho no coração

Segue, segue...
Em harmonia, ramaria
Bracejando lentas
Entre estridor
E raízes gemendo
Incendidas de embriaguez
Dançando nos cantos das margens

Revejo o Madeira
Descendo madeira
Emoldurando em seus mistérios
A sensual mulher ausente
Bramindo curvas
No desenho do pensamento
Entre meu olhar e o rio

*Caminho


Vim de carrascais
E beiradas
Terra de bem-te-vis
E pequizeiros

Lá onde o orvalho benze
A manhã todos os dias
E a vida que nasce
Vem da raiz
Pecha cedendo
Ao fecundo

Nas veredas
E descampados
Buritis se põem em fila
Sanhaços e sabiás
Criam crias e cantos
Céu afora

No campo aberto
O vento toca doce
E dançam as folhas
Acompanhando o farfalho
Enramado na canção

O cheiro da terra
Valora qualquer respingo
Que põe fartura no ar
De lá vim sonhando
Com tanto caminho
Sem saber
Que o caminho era eu

*Enversado


Recorrências e meizinhas
Desmisturadas se misturando
Ao que conduz a alma
Jeito febril de ser na vida

Descrente dos óleos curativos da fé
E da luxúria do menos real
A paixão é solavanco
E o amor não é mansidão

Como lâminas o enversado
Corta as carnes e o oco do mundo
Côa o sangue do sentidor

Estradas dormem
Como raízes
Fincadas nos caminhos
Que poderiam ser esquecidos

Sonho é para não se viver
No fingindo viver

O significado gasto das palavras
É enlevo de réu
Sentenciado para o jeito da tristeza
Condenado para o instante
Parecer o sonho inteiro



*Madrugada


A madrugada engolia a cidade
Apagando para as manhãs
Os últimos vestígios agitados
Do dia emudecido na noite

Um pecador costumado
E retardatário procurava
O pecado saído de moda
Em ruas e becos

Um bêbado urinava sua bílis
E a porta do bar bebia tostões
Oferecendo ao mortiço
O impreciso da mulher sem dor

Um guarda-noturno dormia sua vida
Os sonhos não cabiam nas horas
E vagavam entre o sigilo da calçada
E algum súbito despertar

Um poeta semeava a angústia
Perambulando pelo silêncio
E o sussurro de janelas
Portas e cemitérios

Esmolava a saudade
Nas suas lembranças
Para suportar vivendo
A vida de sua solidão


*Demônio enlouquecido


Um demônio enlouquecido e nu apareceu
Está infeliz em sua dor?
Perguntou e não esperou a resposta
Já foi receitando solução e compensações

Surgiu ao mando das sensações
Abriu as formas de convolar o sentimento
Mostrar quantas transgressões
Dispunha em uso e resumo no trato da vida

Olhar de súcubo derramou satisfação
Prometendo remir qualquer meu querer
Mostrando incompleto o mundo sem solidão
E oferecendo inteiro o poder da sedução

Propunha armadilhas, conjurações e ardis
Para tudo deixar aos meus pés
E tirar a contristação de todas as mágoas
Permitindo figurar o comum do humano

E o demônio enlouquecido e nu se calou
Espantado com a emoção entrelaçada
Ao abandono e ao maior da ausência
Sussurrar junto com meus pecados
Filho da puta



*Anjo esguio


Um anjo esguio e triunfante apareceu
Então crês nos ornamentos da tua dor?
Perguntou e entendeu afirmativa a resposta
Que nem boca ou pensamento respostou

Presunçoso seguiu ritual sem cabimento
Querendo convencer-me se convencendo
Afirmou salvação na latomia de salmos
Querendo comprar algum arrependimento

Imputava-me todos os pecados do mundo
Dizia-se enviado como um último elemento
Pedia entendimento como um gesto de fé
Prometia remitir e calar meu tormento

Acreditava cegamente me tomar pelas mãos
Oferecendo em poucas doses de generosidade
Tanto quanto sem paga posta, desse lenimento
Para aplacar as mágoas do derradeiro amor

E o anjo esguio e triunfante ouviu
Na voz do sentimento da minha dor
Sem qualquer hesitação dar o consentimento
Para a pureza dos meus pecados mandá-lo para
A puta-que-pariu

*Confissão


Confesso medo
Minha carne
Enflacidesce
Dissentindo

Confesso desejo
Minha alma
Agoniza
Libertária e triste

Confesso harmonia
Contendo
Acredito
Só no instante

Confesso enganos
Perco-me nas horas
Do esquecimento
Calando a razão

Confesso nas entranhas
Pertencimento
Nascendo dentro
Crescendo de mim

Confesso
Para a morte
Absolver a vida


*Nascimento


Teu amor é recorrente
Porque foi anseio
E sonho imantado na solidão

Meus braços entorpecidos
Adivinhavam tua existência
Antevendo o corpo ridente
Jorrando saudades

Insonoro e triste
Andava estradas
Supondo viço de juventude
Dormindo em quintais
Colhendo janelas e portas abertas
Deixando cheiro em muitos seres
E guardando o deles em mim

Queimando labaredas inteiras
Encruzilhadas marcaram minha pele
Pequenas pedras se cravaram
Na coragem dos meus pés

Estradas nuas me andaram

Cruzei pontes que não ligavam nada
E outras deram no silêncio da tua vida
Ainda não nascida diferençando
Meus passos dos outros caminhantes

As luzes que faiscavam já eram teus olhos

A cobiça não era igual
Meus gestos destoados e leais
Perdiam-se em cada rama de capim
Nenhuma margem me adivinhava

Exposto ao sol
O vento me bulindo
As noites vinham umedecidas
Apertando as luzes com a escuridão

Palavras habitavam meus pensamentos
E comiam minha voz
Tu haverias de viver no meu silêncio
E degradar meus medos
Nasceste despudoradamente
No meu corpo
Em todos sentidos

Amor inaugural e não sabido
Que carreguei
Por campos plantados
E áridos lugares
Esperando as manhãs

Havias de nascer
Da primeira palavra que ouvi
Quando ainda estava no ventre
Gravitando em seios

Insonoro e triste
Já levava para tua boca
O sal das lagrimas do mundo
Triscando verdades

Quantos chicotes atormentei
Com o vergalho da minha sede
E respingos do orvalho
Que esparramava ao caminhar

Juntando surgências e espinhos
No meu andar capineiro e agudo
Misturei rumos sucedentes
Coleando o pensamento
Mas deixando sinais

A musica silenciosa sustentou o ar
Que sufocava meus pulmões
Com a urgência das mãos
E a boca cheia de palavras

Um lajeiro fecundou os dois rios
Que nasceram dos meus pés
E a distância do mar ficou esperando
Para calçá-los, tudo serve...

No que se desordena
A miséria pula nos caminhos
Esperando que um deus haja
Que um demônio já tenha agido
Que a desrazão esteja em alguém
Coletando as sobras da ignorância
Minha boca cheia de palavras
Vomitou puro impudor

Quis conquistar a solidão
Feitiço de mel e fel
Martelando dolente,
Explicitamente, semovente,
Passeando pelos sete planos
Emanando indisfarçáveis conveniências
Esperando amanhãs
E o embate perdido nas mãos
Desmaterializadas com verdades

Caminho anônimo, meu ato
Com o amor resplandecendo nos olhos
Nunca esqueci meus sonhos
Pelos cantos do mundo
Nos pés, uma única direção,
Doloridos tornaram
Disfarces e se puseram
Sempre à minha frente

Tempos de descaminhos
De bebida forte tomada só
Em volta de fogo frio
Nas noites sem lucidez
Com a pátria sangrando dentro
Da minha angústia e a boca
Suja de palavras querendo
Engolir a escuridão da margem

Vomitando indizíveis promessas
Um louco passou
Um sino bateu
E a distância saudou
Mudando a pele da lembrança
Que não fez ninguém dançar
Os olhares amativos
Vingaram no meu corpo
Nasceste...


***

Um comentário:

Carina Melo disse...

Confesso, seus poemas relaxam, como e bom ler bons poemas, continue nos presenteando cm eles Ronaldo Franco.