terça-feira, 19 de maio de 2009

Cabanagem: O Povo no Poder

Onde se conta como no Grão Pará
Os 256 presos no porão de um navio, o Palhaço.
O porão desse velho brigue tinha 6,60 metros de comprimento, 4,40 de largura e 2,64 de altura.
Em 290 metros quadrados foram metidos 256 homens.
Não havia janelas e a escotilha foi fechada - o ar entrava por pequenas frestas.Praticamente um homem por metro quadrado.
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Desses homens apenas um sobreviveu. O que aconteceu no porão do Palhaço é relatado por José Joaquim de Oliveira Machado, no Juízo sobre a Corografia Paraense por Inácio Acioli Cerqueira e Silva e Ensaio Corográfico do Pará por Antonio Ladislau Monteiro Baena,
publicado em 1843 no Rio de Janeiro.
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Os condenados foram jogados no porão do barco quando era o maior calor em Belém. 
Eis um trecho desse relato:

Os infelizes presos foram instantaneamente acometidos de violentas dores de cabeça e suor copioso, sobrevindo-lhes uma sede insuportável, e afinal grandes dores no peito.
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Bradaram diversas vezes por água para saciar a sede, que os devorava, e água do rio, salubre e turva lhes foi lançada em uma grande tina, que havia no porão; a ela se arrojavam tumultuariamente, bebendo-a com as mãos, com os chapéus e de bruços, procurando cada um ser o primeiro
nesse mister, amontoando-se com violência uns sobre os outros, e tudo na maior sofreguidão e desordem.
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Alguns caíram sem sentidos, logo depois de beberem a água e a outros axacerbaram-se as dores, os lamentos e as vociferações.
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Diversos foram os meios que recorreram para mitigar o estado em que se abrasavam, depois de certificarem-se que nada havia que pudesse mover
os seus ferozes guardas, estando eles decididos a vê-los morrer.
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Puseram-se nus: agitaram o ar com chapéus e roupas; lançaram-se à tina d´água; atiravam-se ao costado do navio no intento de achar alguma umidade, e no meio desta violenta desordem e frenesi muitos caíram desfalecidos e inanimados de forças, e alguns deles acabaram espizinhados e comprimidos por seus companheiros de infortúnio.
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Acabando-se a água da tina, que logo se tornou imunda, pediram nova; deu-lhes; porém armando-se uma furiosa contenda sobre quem primeiro beberia, os mais fracos foram derribados e sucumbiram pouco depois.
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A água ainda não pôde matar a sede dos que puderam beber; devorava-os uma febre ardente, que crescia com espantosa rapidez. Após dela seguiu-se um violento frenesi, sucedido logo depois por acessos de raiva e furor, que os levou a lançarem-se uns contra os outros, a darem-se reciprocamente punhadas e a se dilacerarem com as unhas e com os dentes, entre gritos, ameaças e horríveis vociferações.
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A bárbara guarnição do navio, que presenciava tudo isto, e que com um sorriso infernal comprazia-se de ver aquela horrorosa cena de desesperação e furor, dirigiu alguns tiros de fuzil para o porão e derramou dentro uma grande porção de cal, cerrando-se logo a escotilha e ficando o porão hermeticamente fechado, a pretexto de que por este meio atroz se aplacaria o motim, e os presos ficariam sossegados.
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Por espaço de duas horas ainda se ouviu um rumor surdo e agonizante, que se foi extiguindo aos poucos, e às tres horas de encerramento completo, que foi ao escurecer, reinou no porão o silêncio dos túmulos!
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* Nem sempre a História é bem contada. Versões dadas aos fatos históricos são aceitas sem serem questionadas. Chiavenato através de uma profunda pesquisa vai mais longe.
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Em seu livro Genocídio Americano: A guerra do Paraguai, reconstruiu a verdade sobre o maior conflito latino-americano. A "história" se repete.
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Agora, Cabanagem nos mostra que esta "rebelião de vagabundos" foi na realidade o único movimento político em que o povo tomou o poder, de fato.
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Lutando contra a opressão, assumiram e reinaram absolutos. Arrebentando com a hierarquia social, destruindo as forças militares e substituindo-as por algo que faz tremer os poderosos:
o povo em armas. 
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Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Ronaldo,
Gostei muito da materia e do conteúdo do blog. Preciso muito desse livro, como posso consegui-lo?
Roberto Ribeiro.