segunda-feira, 25 de maio de 2009

Vera Albers > Confidências

* "Querido, sinta agora (falavam meus olhos) tudo aquilo que até agora não soube dizer. Sei que você é frágil, retalhado, mas acredite em mim. Ah, esta sua trágica vaidade! Não conseguir enxergar além de si. Sempre querendo ver a si próprio, de relance, em qualquer circunstância. Veja o mar de meus olhos.Peça e tudo será seu. Quer que eu seja sábia, lúcida, travessa? Quer que eu conheça de cor o ser e o nada? Quer que eu seja engajada, revolucionária, devassa, apaixonada? Saiba pegar, o que quiser. Seus olhos fogem...não aguentam...não sabem querer..."
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*  La valeur sans pouvoir est assez inutile
(Por isso estamos aqui? Tudo foi muito bem pensado. Poder nós temos, não interessa sobre quem...)
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L´habit change les moeurs ainsi que la figure:pour juger dún mortel il faut le voir tout nu
(Louco e nu é a mesma coisa?)
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Le vice fuit ou il nést point la mollesse
(Sim, mas junto com o vício outras coisas...Vou discutir com o Dr. Rivère o que disse M.Foucault.)
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Dans ses édrits, un sage italien
Dit  que le mieux est lénnemi du bien
(Que o disse um ditado italiano é verdade:" Stavo bene, per star meglio mi trovo qui" quanto ao resto...)
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Avec l´orgueil, compagnon dur et triste;
Bouffi, mais sec, ennemi des ébats
In renfle l´âme, et ne la nourrit pas.
(Isso é verdade, mas , por minha própria experiência, devo acrescentar que se não alimenta a alma, alimenta o ego. (Estarei blasfemando?) Detesto lembrar-me de quando não fui orgulhosa. Tenho orgulho de ter podido ser orgulhosa, alguma vez ignara, em criança.)
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* De courir le monde et de m´éviter à moi-même
(Este, sim, é o discurso que eu quero. Ah! Se soubesse por que me evito e o que evito. Como é possível que tudo que procuro esteja dentro de mim? Eu só me acho na medida que descubro o mundo. Assim, variado disperso fragmentado...)
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"Especularidade. Torna-se impossível distinguir, na consciência do sujeito, entre o objeto e seu reflexo simbólico.
Visão encantatória.
Delírios coerentes e intencionais.
Espetáculo que você dá a si mesma: ilusões que se fascinam mutuamente e estilhaçam a verdade."
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(...) Uma idéia puxa outra. Escrevo a esmo. Será que vai servir para alguém o que se escreve? É tão difícil que alguém pense e sinta como você. Ninguém pode ser ninguém. Ninguém pode julgar. E principalmente, nunca condenar. A pessoa não serve? Evita-se. Não obstante, uma pontinha de condenação permanece latente nesse afastamento. Depois disso, eu nunca mais... E conta-se aos outros. Pronto.Está feita a condenação."
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Até logo.
Até logo.
Terminei com o Marcos.
Os olhos dele eram amarelos
Olhos de apaixonado
Gato, gatão
será mesmo?
Não perdeu tempo.
Foi encontrado abraçadinho com a Neusa - olhos de rato mosqueado
Tudo dá certo
E eu?
Sabia tudo de cor
Mulher desde a nascença.
Cabelo na boca
Corpo de amante, pele macia, sedosa mesmo. A boca, então, partida, 
treinada: você vai ser uma vagabunda. Amará a todos.
Matrimônio? Que coisa ultrapassada
Numa jogada de pôquer aposta três mil reais, assim.
Circuito paralelo. Que é isso?
Sessão linfática do adeus.
Dilaceramento do impossível.
A Marisa é besta. Evoluir custa sangue.
Sangrarei em breve.
Depois do que
a testa na parede
Derrière la bagnoire
Adeus.
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Pensar é realizar formas, como cristais
Cranach, Dürer, Grünewald...os grandes góticos - inquietos, móveis,
corrente subterrânea no expressionismo.
Shönberg et Sartre el le monde parfait - ça n´existe pas...
As pessoas que nos anulam devem ser evitadas.
É a hora do leão de Nietzsche
E dos judeus de chapéu.
Pensar. Pensar é a grandeza do homem.
Amanhã começo a estudar filosofia.
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(...) "Caminhando pelos atalhos de pedregulho, lado a lado, um jovem e inocente encobre prenúncios de paixão, à majestosa sombra de eucaliptos, esvaindo-se em palavras. Sinto-me distante, alheia, nauseada. Por que jovem se eu gosto velho, por que sol se eu quero lua?"
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"Velha Ania, o que fazes aqui?
Você não sabe, menina, cozinho e cuido do meu filho.
Eu sei, mas antes, antes. Porque estás sozinha, amando a pessoas que nem pessoas são. Cozinhando para elas, procurando agradar, esperando afeto, proteção, migalhas, de prestígio e sofrendo como amante à sombra de seu desprezo.
Não estará deslocada toda esta abnegação?
Por que você me fala assim?
Foste famosa, jovem. Não é possível que não tenhas tido casos de paixão. O que fizeste deles?
Nada fiz. Gostava de meu marido.  
Mas e depois, depois que ele morreu? Não acredito.
Eh, depois, eu te confesso, teve três desgraçados que me arrastaram muito tempo a asa, mas não
tive coragem. Cinema, teatro, restaurante. Não tive coragem de ter amante como minha mãe viva. Nem depois, com medo que surgisse algum escândalo.
Que escândalo, Ania, com quem? Perdeste todas as tuas chances e agora temes a hora em que irás sozinha para o túmulo. Para que sociedade viveste? Que lembranças levas contigo?
É verdade menina. Dentro de mim a moral foi mais forte que o sexo.
Bem que Turguenev disse em Ninho de Nobres ( ou foi Liérmontov):a moral mata as pessoas.
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" Aqui, a fêmea tem que cooperar. Ser cúmplice, conivente nos atos mais inevitavelmente hediondos contra si própria e ainda sorrir: assim como a mãe que vê morrer o filho e diz envergonhada para os assasssinos desculpem se eu pari, por acaso não é esta a nossa realidade?"
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" E o desespero de saber que não sou feita para ti?
E a distância que separa um intelecto assaz privilegiado de outro ingênuo, inculto, suburbano? Teu tremor não me comove. Nem teus beijos ardentes, teus olhos verde-mar.
Sou gelo e pedra, apesar do fogo nas entranhas. Entre. Anoiteça. E, amanhã, de nada adiantará haver me possuído."
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"O que é dignidade senão o medo de sofrer mais ainda?
Cômodo preconceito, ausência, e apenas, consciência de uma inexorável dispersão.
C´est fini, alors.
E agora: a pornografia da vida.
Tomo-a emprestada. Sucumbirei certamente, mas tão já.
Antes quero o desafio ao que nem merece ser desafiado.
Pelo simples prazer de fazê-lo, de não negar-me o gesto.
Consciência em demasia nos acovarda.
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Do livro: Deformação.

"Deformação de Vera Albers, desenvolve-ses sobre um plano de análise introspectiva, de contínua obcecante auto-confissão - e também autocrítica - o que remete logo a certos aspectos característicos da produção de Bergman, particularmente de sua última fase. 
(...) O que resulta é um desenho delicado, onde a fragmentação versificante do período serve de suporte importante para a recuperação de uma "musicalidade" que, obviamente, consente estabelecer uma base funcional para o conteúdo, tecido de experiências."
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*Paolo Angeleri.

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