quinta-feira, 7 de maio de 2009

Ferreira de Castro :a escrita à luz de um candeeiro

Ferreira de Castro


* Na Pequena História de "A Selva" que Ferreira de Castro escreve para a edição comemorativa de 1955, afirma que " a maior parte desta obra foi escrita à luz difusa de um candeeiro, como se eu a escrevesse realmente na selva, numa dessas barracas perdidas nas imensas solidões".
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Nesta pequena mostra já tem 3 palavras mais recorrentes do romance: "luz", "selva" e "solidão", a elas se deve acrescentar "verde", "escuro" e "cachaça".
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"A Selva" é o romance da decadência da borracha:
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"Mesmo na sua decadência, era ainda a borracha que movia tudo aquilo (...) e à borracha começa Alberto a sentir-se também incorporado, com uma sensação de fábula, agitado de curiosidade e temor.
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Mas é também o romance da traição:
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"Um dia, porém, a hevea brasiliensis, desdobrara a sua nacionalidade, entregando também a seiva enriquecedora em terras do Ceilão".
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"Tudo selva, selva por toda parte". O autor registra o dia a dia da viagem de Belém até a Manaus pelo labirinto das águas: "cada curva se parecia com outra curva, cada recta com a rectaantecedente onde não existiria barraca ou cidade, o espírito quedava-se, perplexo, a formular a pergunta íntima: Já passei aqui ou é a primeira vez que passo aqui?"
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A Selva se lhe impunha: uma verdadeira litania da floresta que entremeia com os acontecimentos."Pelas quatro paredes da barraca entravam lâminas de luz, que se cruzavam sobre ele, como numa alegoria teatral".
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É como se o autor inscrevesse sobre o corpo de Alberto, através da luz, as incisões feitas na seringueira para obtenção do látex. Mais marcante que essa imagem só o sacrifício de Maibi, protagonista de um conto de Alberto Rangel em "Inferno Verde"
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"A selva tinha mil olhos ameaçadores"
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Não é um lugar de meditação como os bosques da Europa;"a selva era agora, um jogo fantástico", onde nem sempre o caçador era o caçador e a caça o alvo.
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A selva como personagem principal do romance de Ferreira de Castro:"A selva não perdoava quem pretendia abrir os seus arcanos".
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A rotina dos seringueiros era transformada pelo sábado:
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"Início de pausa no labor, e os legionários da selva começavam já a chegar, trazendo às costas a serrapilheira vazia e, no ombro, enfiada num pau, a bola de borracha colhida durante a semana".
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Ao trabalho insano se junta a alegria avara com a festa que é descrita:
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"...Quando lhes faltaram as mulheres, ligaram-se entre eles, para o rodopio voluptuoso. Eram vultos de lanterna mágica na luz vaga e oscilante do farol.Formas indecivas que se movimentavam na sombra, tendo de nítido apenas as cabeças com seus lábios úmidos de luxúria".
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A Selva era bela, majestosa, mesmo deslumbrante:
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Uma beleza trágica "...monotonia; e os anônimos desbravadores iriam caindo" inexoravelemente, sob as febres palustres, traspassados pelas flechas envenenadas, desvairados pela ausência de amor.Escravos, pobres miseráveis, ali onde a natureza erguia as suas mais fastigiosas pompas!"
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A morte de um seringueiro e um índio, faz Ferreira de Castro transpor o enredo para incursionar pela história:
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"Este rio já teve dois romances. Um, foi a construção da estrada de ferro Madeira Mamoré. Levou quase meio século a fazer-se. Os homens chegavam e as febres zás! matavam eles.Morriam às centenas. Alguns trabalhadores que fugiam, temendo as razões, eram mortos também pelos índios de lá, que são de outra tribo. As companhias faliam e o material ficava a apodrecer. O dinheiro que se gastou naquela estrada de ferro dava para fazer uma vinte vezes maior.
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O outro romance foi a tentativa de Rondon para civilizar os parintintins, sem empregar violência".
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*Publica o livro em 1930. Ferreira de Castro se projeta literariamente.
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A Selva, "exalava uma poesia forte, verde e cálida. Não é portanto, apenas o "drama dos homens perante as justiças de outros homens e as violências da natureza, estava destinada a ser, desde o princípio ao fim para o seu próprio autor, uma pequena história, uma pequena parcela de dor humana, dessa dor que nenhum livro consegue dar senão uma pálida sugestão".
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Permanece a imagem do lampião:
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"A luz do farol ia diminuindo ao longe, pequena, estática, um ponto único e vermelho na noite da floresta um ponto final da minha vida ali".
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A Selva tem a gênese nesta luz.Como diz Bachelard:"Onde reina um lampião, reina a lembrança".
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J.Arthur Bogéa > Asas da Palavra > * de maio de 1998.
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