quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Tábua do Soalho > Fernando Pessoa

O cansaço. Lembrar é um repouso, porque é não agir. Que de vezes, para maior descanso, relembro o que nunca foi, e não há nitidez nem saudade nas minhas memórias das províncias onde estive como os que moram; tábua a tábua do soalho, oscilo o oscilar de outrem, nas vastas salas onde nunca morei.
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De tal modo me converti na ficção de mim mesmo que qualquer sentimento natural, que eu tenho, desde logo, desde que nasce, se me transforma num sentimento de imaginação - a memória em sonho, o sonho em esquecer-me dele, o conhecer-me em não pensar em mim.
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De tal modo me devesti do meu próprio ser que existir é vestir-me. Só disfarçado é que sou eu.
E em torno de mim todos os poentes incógnitos douram, morrendo, as paisagens que nunca verei.

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Máximas de F.Pessoa:

- A nossa personalidade deve ser indevassável, mesmo por nós próprios: daí o nosso dever de sonharmos sempre, e incluirmo-nos nos nossos sonhos, para que nos não seja possível ter opiniões a nosso respeito.
E especialmente devemos evitar a invasão da nossa personalidade pelos outros. Todo o interesse alheio por nós é uma indelicadeza ímpar. O que desloca a vulgar saudação - como está? - de ser uma indesculpável grosseria é o ser ela em geral oca e insincera.
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Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.
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Falar é ter demasiada consideração pelos outros. Pela boca morrem o peixe e Oscar Wilde.

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* "Livro do Desasssossego" > Companhia das Letras.
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