domingo, 9 de março de 2008

O prefaciador João de Jesus Paes Loureiro

* O prefácio do J.J.Paes Loureiro no Guia Histórico da Cidade de Belém (de Savio Capelossi Filho e Raymond Seynaeve) é uma peça literária.

O Paes Loureiro "empresta" à obra o poeta João e o elogio necessário de Jesus à Belém.

( O prefácio não vende a obra, mas a oferece como mapa de uma cidade encantada.)

(RF)

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Nas cidades do Pará existe uma princesa encantada na pele da boiúna, cobra mitológica dos índios, à espera de que alguém descubra esse encanto e receba seu amor. Nesse dia, por força do mistério, surgirá ali um reino amoroso de paz. Da princesa ninguém sabe o nome. Mas todos, no Pará, concordam que existe.
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Belém do Pará, portal da Amazônia, é uma cidade particularmente impregnada dessa magia. Seja no discreto mistério de um presente tatuado de passado, ou pela proximidade com o rio onde navegam as memórias míticas. E também nas ruas por onde caminham as manhãs
e as tardes povoadas de vida moderna. Ela tem esse mistério atribuído aos casos de amor à primeira vista. Descansa num braço de rio, no colo do Ver-o-Peso, porto típico, onde, entre quilhas e velas, referve a vida popular da cidade.
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Nesse porto podemos encontrar, dentre os mais variados produtos, raízes cheirosas, puçangas, remédios populares e dezenas de segredos úteis às primícias do amor: patchuli, cumaru, inajá, jasmim-da-beirada, maniva, piquiá, pupunha, tucumã,
verônica-de-igapó! Que rosto fluvial de Cristo ela terá enxugado?
Em quais de suas folhas encontraremos as marcas do sagrado perfil?
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No Ver-o-Peso, os barcos aportados, todos coloridos pelos pintores populares da região, são como telas de pintura flutuante, objetos estéticos à flor das águas, espécie de salão visual de bubuia, onde barcos, como quadros, revezam-se em inevitáveis combinações, museu permutacional, rearranjando a paisagem, cativando o olhar.
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(...) Em pouco tempo Belém vai-se tornando íntima como um oratório.Terna paisagem, sob túneis de mangueiras, por onde as folhas caem lentamente. E as manhãs são tão claras que temos a impressão que as podemos colher no ar, como fruta madura.
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É verdade...Pelas tardes sempre chove, uma chuva alva e breve. Que ameniza o calor e é bonita de se olhar, gostosa de sentir. Como se a paisagem passasse a ser vista, assim trêmula, através de algumas cortinas de cristal. Se alguém falar em encontros marcados após a chuva, acredite.E curta a possibilidade de se liberar dos ponteiros e guiar-se pelo relógio da natureza. O relógio das chuvas, o calendário das marés: Belém do Pará.
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(...) Assim é Belém, de alma colonial e corpo tatuado pela vida moderna.Nela convivem passado e presente e a vida amena em seu núcleo central, embora dura e áspera em sua periferia.
Mas o coração de cada qual, em Belém do Pará, sabe que, diante de todos, existe um reino encantado e que não bastamn os olhos nem o dinheiro para sentir a mais íntima alegria com isso.
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Só os que mergulham no clima cheio de presenças da cidade poderão, quem sabe, desencantar a princesa da lenda.
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Mas, para isso, é preciso instalar-se no território de afeto em que Belém se transforma, quando surpreendida em sua funda magia.
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Essa magia, esse astral, essa força que vem dos encantados.
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Belém-boiúna. Belém.

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