terça-feira, 28 de outubro de 2008

O poeta da Revolução



MAIAKOVSKI - O Poeta da Revolução
Aleksandr Mikhailov
Editora Record, tradução de Zoia Prestes, 560 páginas, R$68

MAIAKOVSKI!
Elias Ribeiro Pinto

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Os versos do poeta Vladimir Vladimirovitch Maiakovski (1893-1930) alopraram os meus 18, 19, 20 anos de idade. Descobri-o naquela edição de 1967 (pela Tempo Brasileiro?), em tradução dos irmãos Campos mais Boris Schnaiderman. Um amigo, a quem emprestei o volume, me fez o favor de encaderná-lo em sólida armadura (quando emprestar, afinal, vale o risco), apta a enfrentar as quebradas nas quais, de improviso, eu armava meu palanque poético e encarnava a persona do “férvido cantor”. Assim blindado, o livro freqüentou incontáveis, concorridas e encardidas mesas de botequins, cumprindo o lemalambique do poeta russo: “Há um velho sistema:/ Vamos encher a cara!/ Afogar/ as penas/ no vinho”.
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Depois saiu uma outra edição, revista e ampliada, acho que pela Perspectiva. Esta, sem blindagem para poupá-la, viu-se vítima de meus arroubos declamatórios. Explico. Em ancestral noite etílica, a cavaleiro do sobrado onde morava, na Pedreira, o pátio aberto às estrelas, eu declamava Maiakovski aos camaradas circunstantes – e só quem já recitou o bardo, “a plenos pulmões”, sabe da força febril de seus versos, não fora o poeta um eloqüente tribuno dos próprios poemas.
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Pois bem. Ao fim da rajada versejante, e aproveitando o silêncio que se seguiu, gratinado pelas palavras em brasa que eu dardejara, ainda suspenso no parapeito, dali lancei, com ímpeto revolucionário, o livro ao chão, o choque libertando, como no espocar do champanhe, além da capa do volume, jorros de metáforas, paronomásias e ritmos coriscantes, iluminando a noite e ofuscando os que vertem “versos feito regador”, e aqueles que os babam, bonifrates encapelados. Maiakovski, suponho, não reprovaria meu gesto olímpico de atirar seu livro à noite. Pediria mais vodca e balalaica.
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Outra aventura maiakovskiana foi no campus da UFPA. Fazia Ciência Política III com o mestre Amílcar Tupiassu. Um dia, entediado do sociologuês – não do professor, que era cativante e boa praça –, entro na sala com uma garrafa de uísque, Dimple, e sob o sovaco o inevitável Vladimir Vladimirovitch. Peço licença, ofereço uma dose ao mestre, com carinho. Fleumático, adepto do fair play, Tupiassu recusa. Comunico então, em caráter extraordinário, que Marx cederá lugar à poesia. Convido Tupiassu a ocupar lugar de honra entre os alunos e escalo a mesa professoral, agora púlpito poemático: “Professor,/ jogue fora/ as lentes-bicicleta!/ A mim cabe falar/ de mim/ de minha era”.
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Finda a récita poética, à porta da sala de aula acotovelava-se súbita platéia, que antes, em estado de pastoreio, ruminava nos corredores.
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Pensei até em fundar uma “Companhia de Desmanche de Aulas”. O interessado dirigir-se-ia ao competente encarregado, combinando hora e local da aula a ser interrompida. Em seguida, ao suplicante seria apresentado o nosso catálogo de poemas, a fim de atender possíveis preferências, com as opções indo de Castro Alves a Bertolt Brecht, passando por Drummond, Fernando Pessoa, Walt Whitman e Allan Ginsberg, sem esquecer, é claro, Maiakovski.
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À vera, universitário, cheguei a formar uma companhia mambembe de oradores e/ou declamadores, que saía em grupo, devidamente supridos de poemas que eu distribuía momentos antes.
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Numa ocasião, pelo menos dois pavilhões do campus foram tomados de assalto pelos brancaleones do verso. Tiveram que convocar a segurança universitária para pôr fim ao movimento insurrecto da rima unida jamais será vencida.
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Mas sim, voltando a Maiakovski, glorificado e xingado, colocado e retirado do pedestal, líder da vanguarda poética do cubo-futurismo russo, ele foi, acima de (ou abaixo de) tudo, o poeta que flertou incansavelmente com o suicídio em seus versos-vértebras, até consumar-se, in totum, suicida.
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Lembro do poema “A Serguei Iessiênin”, em que Maiakovski condena a babugem sentimentalóide e desnuda a posição hipócrita da crítica quando do suicídio de Iessiênin em 1925, cinco anos antes de o próprio Maiakovski cometer o gesto que condenara, em verso, no amigo.
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Lembro também – e só posso lembrar, pois, como vocês sabem, não encontro, nesse bárbaro matagal de livros, nenhum de que, urgente, preciso, e já nem me dou ao desperdício de procurá-lo – de outro poema, “Lílitchka!”, uma das mais belas peças líricas do espólio poético mundial, em que revém a letomania do autor: “E não me lançarei no abismo,/ e não beberei veneno,/ e não poderei apertar na têmpora o gatilho”.
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Evidente que esta série de negações pressupõe o desejo suicida, como a pedir, implorar à amada: “Não o consintas,/ meu amor,/ meu bem”. Coincidência. Enquanto vou citando “Lílitchka!”, da janela do vizinho desce o som de Tim Maia: “Não quero dinheiro, quero amor sincero, isso é o que eu mais quero...”.
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E vamos aproveitar enquanto o poema de Maiakovski vem-me, fresco, à memória: “Se ela assim torturasse um poeta,/ ele trocaria sua amada por dinheiro e glória,/ mas a mim/ nenhum som me importa/ afora o som do teu nome que eu adoro”. E não resisto, melhor que não resista ao caboco maiakovskiano que agora baixa em mim: “De qualquer forma/ o meu amor/ – duro fardo por certo –/ pesará sobre ti/ onde quer que te encontres”.
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Quanto ao “e não poderei apertar na têmpora o gatilho”, Maiakovski apenas mudou de alvo. Em vez da cabeça, disparou um balaço no peito. Acossado pela recorrente idéia do suicídio, Maiakovski, nos seus versos, sempre mirou o futuro, dialogou com o porvir. “Ressuscita-me, quero acabar de viver o que me cabe!”. Com o suicídio, o poeta acertou as contas com a vida, mas deixou o futuro de sua obra em aberto.
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Bem, confesso, admito, já não tenho paciência didática para fazer um apanhado biográfico de Maiakovski, acompanhado de palavras que possam situá-lo no tempo em que viveu, levando o leitor para mais perto de sua obra. Ora, mas por isso mesmo estou escrevendo este texto. Quem se interessar, há uma boa biografia do poeta recentemente chegada ao Brasil.
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Trata-se de Maiakovski – O Poeta da Revolução. Seu autor, o também poeta Aleksandr Mikhailov, revela as contradições e paradoxos desse ícone de toda uma geração. Um dos maiores poetas da Rússia, Maiakovski pôs fim à própria vida aos 37 anos de idade. O biógrafo narra a vida desta personalidade polêmica e aponta os motivos por trás de suas ações. Mobilizado e aclamado pela revolução soviética, Maiakovski carregava em si as marcas da experiência social iniciada em 1917.
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Maiakovski deixou uma biografia tão impressionante quanto sua obra. Uma vida marcada por algo de passional, de heróico, de trágico.
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Espírito romântico, ele é um personagem de si próprio. Esse homem de quase dois metros de altura, em algumas fotos de grande beleza física, em outras de uma rudeza campesina, é revelado aqui em seus paradoxos e contradições.
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As lutas estéticas e ideológicas. A riqueza metafórica e rítmica de sua poesia. Sua maestria no uso das hipérboles, seu humor cáustico, seu virtuosismo no jogo das palavras.

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Mikhailov explora essas nuances, as contradições que dilaceravam sua alma, as discussões e discordâncias ressonantes ainda hoje.


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2 comentários:

Anônimo disse...

Noossaaa desde de que conheci a escrita dele p/a mim a poesia mudou... acrescentou ...ótima escolha e melhor ainda foi o livro dele que eu achei ironicamente chamado -Poética "Como fazer versos"
parte teorica e opininões do autor se tiver curiosidade eu recomendo!!!!

J.L.Tejo disse...

Neste sábado à noite, num momento de tédio, lancei no Google "suicídio de Iessiênin" e cheguei aqui. Excelente postagem, sobre Maiakovsky. Há pouco -eu que sempre fui fã de Volódia- li a mesma biografia. Sem palavras, parabéns.