sábado, 18 de outubro de 2008

Tempo

O silêncio do seu corpo em pé, erguido no ar dos dias, desamparado como uma janela que em tarde qualquer não estará aberta, nem fechada, em parte alguma do mundo (...)
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Vê-la é dizer-me : sol colhido, resumo de horas atravessadas de aviões e batidas de mar, fechado abismo: oh vertiginoso acúmulo de nadas! (...)
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O seu rosto (será esplendente? duma dura luz?) não se ergue jamais; no extremo desconhecimento se esfacelará, dobrado contra o seu ventre de terra. O que somos, o ser, que não somos, não ri, não se move, o dorso velhíssimo coberto de poeira; secas, as suas inúmeras asas, que não são para voar, mas para não voar. O que somos não nos ama: quer apenas morrer ferozmente. (...)
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A lama, a sua cintilação. Os capins explodidos. O fedor da inconsistência. As árvores, os troncos, a casca. A solidão, a solidão da vida! (...)
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As pedras do chão e as que se levantaram em vôo. Em verdade, tudo cai. Os rios nunca passam. O lodo, a mesmice das águas. O nada. Giram giram. O homem de pé. O homem sentado. O homem de costas. Bicho sem apoio! (...)
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O homem caminha. É um rio andando. É uma árvore, andando. A lama, andando; o sol, andando. O homem é um peixe de cabelos e morte clara. Os pés no chão. O rosto no ar do mundo, no vácuo conciso, sem tempo, porque onde nada sucede para além do engano.
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Velha, a solidão da palavra, a solidão do objeto; e o chão - o chão onde os pés caminham.Donde o pássaro voa para a árvore.

*** Poeta Ferreira Gullar.

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