quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Escravo do Cupuaçu > Elias Ribeiro Pinto

Belém antiga
Dono de uma língua mordaz, em vida ele não foi, nas paróquias literárias, figura das mais estimadas, para quem vale o risco de guardar o lugar ao lado num jantar entre confrades. Marques Rebelo (1907-1973, nome de tantas guerras desse carioca de Vila Isabel batizado Edy Dias da Cruz, foi, como Lima Barreto (e sem distanciar-se de Machado de Assis), um grande cronista do Rio de Janeiro, numa família de cariocas da gema que também engloba Manuel Antônio de Almeida e João do Rio.
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Sua obra mais importante (reeditada em 2002 pela Nova Fronteira) é O Espelho Partido, título geral desse romance-rio de que emergiram três volumes (O Trapicheiro, A Mudança e A Guerra Está em Nós, de 1959, 1962 e 1968) dos sete que o autor havia programado. Os demais ficaram apenas indicados nos títulos. De composição estilhaçada, fragmentada, a trilogia, estruturada sob a forma de diário, é escrita pelo corrosivo e mordente Eduardo Rebelo, alter ego do autor.
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Com seus altos e baixos, suas partes desiguais, é uma das mais desconcertantes incursões literárias entre nós, e, ainda hoje, merecedora de uma crítica avara, o que contribui para o perverso desconhecimento da obra por parte dos leitores.
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Talvez por isso seu livro mais conhecido seja A Estrela Sobe (1939), principalmente depois de sua adaptação para o cinema, realizada por Bruno Barreto. A trama do romance dramatiza a vida e o destino de Leniza Maier (interpretada por Betty Faria), a moça pobre que almeja subir na vida por meio do sucesso como cantora de rádio e vê-se obrigada a entrar num mundo do vale-tudo, sem ética e sem escrúpulos.
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A Editora Global, em sua coleção Melhores Crônicas, publicou, anos atrás, o carioquíssimo cronista Marques Rebelo. Para nós, belenenses, o mais interessante talvez aflore no capítulo Conversa do Dia e Conversa da Semana. São textos que discorrem sobre os mais variados assuntos, como Natal, Ano Novo, impressões de viagem. Essas crônicas em forma de conversa eram perfeitamente adequadas também para o rádio, e assim sua leitura era feita, todos os dias, ao meio-dia, na Rádio Clube do Brasil, como era anunciado no final da coluna na versão impressa do jornal Última Hora e do tablóide Flan, onde eram publicadas.
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Selecionei exatamente um desses artigos, publicado no jornal Última Hora, edição de 14 de maio de 1953, e lido, ao meio-dia, na Rádio Clube do Brasil. Intitulado “Notas Paraenses”, nele Marques Rebelo apresenta flashes de sua passagem por Belém.
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A luz de Belém é fraca, apesar do extraordinário esforço dos vaga-lumes. Mas prometem melhorar .
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Aviso aos navegantes: se por acaso virem um zepelim solto na rua, não se assustem – é só um ônibus.
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Compro uma garrafa de água-de-cheiro para o meu banho de sexta-feira, filtro maravilhoso de prosperidade e amor, a felicidade por dois cruzeiros.
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O caboclo nunca tinha andado de avião e veio logo de Porto Velho por sobre aquele mundo de água e mato.
– Do que é que você gostou mais na viagem?
Pensou um pouco:
– Do lanche.
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Certamente é por uma falha do meu caráter, mas não gostei do açaí – tem gostinho de bambu.
Fiquei escravo do cupuaçu.
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O vendedor de coisas típicas logo viu que tratava com um cavalheiro diferente e compreensivo. E ofereceu-me um guaraná em forma de macaco-prego, figurinha proibida pela moralidade local.
Comprei a oferta, cuja única imoralidade constituía no preço. E quero crer que a mesma vigilante moralidade esteja providenciando a extinção, na floresta amazônica, da indecorosa raça dos macacos-prego.
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E depois de quase um mês de planície amazônica, como sentisse a necessidade premente de ver jacarés e sucuris, fui fazer uma visita ao museu Goeldi.

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2 comentários:

Anônimo disse...

Ahahahah: gostei destes dois zolhões do cupuaçu.
Elias

Anônimo disse...

Se tiraste o cupuaçu da sala, transfere o prefixo para o meio (que é o latifúndio que lhe cabe nessa anatomia) e traz para a cena o bacuri.