Numa peça de Tenessee Williams, a sogra diz à nora, apontando a cama do casal: "Aqui naufragam os casamentos".
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Certamente é verdade. Não raro a cama de casal pode ser comparada a uma frágil embarcação navegando sobre o mar encapelado dos conflitos, dos problemas emocionais, dos ciúmes. Nessas
situações, é preciso ser mais do que um Vasco da Gama ou um Cristóvão Colombo para, vencendo as vagas enormes e correntes adversas, seguir rumo as novas terras, terras em que se plantando tudo dá (entendam essa metáfora como vocês quiserem).
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Mas a cama do casal, por problemática que seja, tem pelo menos uma aura: é um símbolo de união, de convivência, de amor. Disso davam testemunho os dosséis do passado; camas de casal podiam ser verdadeiras obras de arte.
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Há outro lugar, porém, muito menos simbólico e mais prosaico, onde os casamentos, se não naufragam, pelo menos enfrentam cotidianas tempestades: o banheiro.
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Claro, alguém pode dizer que duas escovas de dente lado a lado num copo lembram o pacto de união celebrado pelo casal. O problema é que escovar os dentes, uma necessária medida de saúde oral, também é das coisas menos românticas que se pode imaginar.
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Dificilmente Romeu se apaixonaria por Julieta se a encontrasse pela primeira vez entregue à necessária tarefa de escovação.
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Mas escovar os dentes não chega a ser uma coisa grotesca. O banheiro pode ser cenário para atos muito mais constrangedores, ainda que fisiológicos. O inglês Jonathan Swift, o imortal criador de Gulliver, tem um poema chamado The Lady´s dressing room ( O quarto de vestir da madame),
no qual descreve o sofrimento de um personagem ao constatar que sua amada também tem aparelho digestivo e que este deve ser evacuado: Oh,Celia, Celia, Celia shits! ( deixo a vocês a óbvia tradução).
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Sim, Celia shits, e Celia também emite gases, e Celia urina - todos os seres humanos fazem isso, mesmo as mulheres mais angelicais.
Para isso existem os banheiros com seus vasos sanitários, o objeto mais sem graça do mundo, ainda que o grande Marcel Duchamp tenha feito de um mictório uma obra de arte.
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O banheiro também é conhecido como privada, e uma área privada deveria realmente ser, em primeiro lugar, porque se trata de um recinto pequeno ( não conheço nada menor no mundo que banheiro de avião) e, segundo, porque, nos reduzidos apartamentos da classe média, às vezes é um só.
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E aí é aquela luta pelo espaço todas as manhãs, a mulher, o marido, os filhos, todo mundo esmurrando a porta - a porta de WC sofre mais que mãe de juiz de futebol. Agora : a cena mais dantesca é representada pelo marido e pela mulher juntos no banheiro.
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Deus, não há romantismo que resista a isso. É uma luta por espaço, uma luta pela pia, uma luta pelo vaso - luta, enfim, tão encarniçada como uma guerra de guerrilhas.
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Há quem faça amor no banheiro. No box do chuveiro, na banheira. É uma coisa original.
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E é, de certo modo, a reabilitação de um prosaico recinto.
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Do livro: "Do jeito que vivemos" de Moacyr Scilar. Editora Leitura.
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Sobre o livro > comenta Luis Fernando Veríssimo: " Nem todo bom romancista dá bom cronista, claro. Como bons cronistas não dão, automaticamente, bons romancistas. Alguns dos melhores nem tentaram. No caso do Scilar temos o kit completo."
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Um comentário:
Verdade!
Jane
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